Discoteca Básica Bizz #156: Public Enemy - It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back (1988)


Lançado em 1986, este disco provocou a mesma revolução social que os Racionais MC's fizeram no Brasil uma década mais tarde. Se o adolescente branco de classe média alta se encantou com as afirmações de negritude de Mano Brown, o jovem americano da época conheceu - e aprovou - as perigosas teorias separatistas de líderes negros, como Malcolm X e Louis Farrakhan.

A opção pelo politicamente incorreto, porém, não tira os méritos de It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back, de longe o melhor trabalho do Public Enemy. É também o disco chave do rap americano, então restrito a engraçados relatos do dia-a-dia (uma das poucas exceções foi "The Message", hit de 1980 do rapper Grandmaster Flash). It Takes ... prega a supremacia da raça negra e aponta inimigos entre os programadores de rádio e a mídia.

As sementes do Public Enemy estão na Universidade de Adelphi, em Long Island. Foi ali que Carlton Ridenhour, estudante de desenho gráfico e DJ amador, conheceu os também estudantes Hank Shocklee (depois cabeça da Bomb Squad, equipe de produção do Public Enemy) e Bill Stephney (hoje executivo da Def Jam). Os três apresentavam um programa de rádio em que trocavam ideias sobre filosofia, política e cantavam rap. Uma dessas composições, "Public Enemy Nº 1", chamou a atenção do produtor Rick Rubin, que levou o trio para seu selo Def Jam.

A trupe formou uma estrutura com leis e regras próprias, com Chuck D no rap, Shocklee assumindo o papel de empresário e Stephney se ocupando do marketing e da promoção. Ao grupo se juntaram o DJ Norman Rogers (batizado de Terminator X) e o rapper William Drayton - ou melhor, Flavor Flav, com dentes de ouro e um bordão imbatível: os "boyeeeeee" que solta entre uma pancada e outra do DJ.


Considerado uma versão rap de What's Going On (clássico dos anos 1970 do cantor Marvin Gaye), este é um disco repleto de batidas treme-terra ("Os radialistas não chamam rap de barulho? Então, tomem barulho!", justificou o grupo). Terminator X sampleou mais de 150 composições alheias, numa lista que vai de Miles Davis e lsaac Hayes ao furioso grupo de heavy metal Slayer.

As composições estão entre as melhores já produzidas: "Don't Believe the Hype", cujo refrão virou a frase da moda daquele ano; "Rebel Without a Pause", recado malcriado para as rádios que se recusavam a tocar rap; "Party For Your Right to Fight" (um trocadilho oportuno com "Fight For Your Right to Party", dos Beastie Boys, na época produzidos por Rubin) denuncia a perseguição promovida pelo FBI a líderes negros e reafirma os nomes de Malcolm X e Farrakhan.

O Public Enemy sucumbiria anos mais tarde, após discos fracos e cada vez menos populares. Flav foi preso por porte de crack e o grupo perdeu terreno para o rap bandido, que preferia glorificar dinheiro e violência. Mas It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back permanece intacto, melhor do que qualquer coisa feita por Puff Daddy e congêneres.

Texto escrito por Sergio Martins e publicado na Bizz #156, de julho de 1998

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