Jornalismo musical: um papo com Igor Miranda


O jornalismo musical passou por grandes transformações nos últimos anos. Foi-se o tempo em que as revistas especializadas eram a referência praticamente exclusiva no assunto, ditando tendências e com um poder quase divino de dizer o que era bom ou não.


Já há alguns anos, o jornalismo sobre música encontrou uma nova plataforma na internet, seja através de blogs, sites, perfis em redes sociais ou canais no YouTube, produzidos por consumidores de música que acabaram se tornando uma espécie de influenciadores sobre o tema. Alguns críticos mais veteranos perceberam a mudança da maré e também atualizaram a forma de se comunicar com o público, indo muito além do papel e mergulhando no digital.

Hoje, a crítica musical é dividida com os consumidores. Qualquer pessoa ouve um álbum e emite uma opinião, e muitas vezes essa manifestação espontânea acaba ganhando mais relevância do que um texto mais longo, cheio de referências e coisas do tipo.

Para conversamos e pensarmos sobre todo esse universo, estou iniciando uma série de posts onde irei conversar com pessoas que admiro e tenho como referência nessa atividade amada por poucos e odiada por muitos, que é o jornalismo e a crítica musical. Pra começar, nada melhor que Igor Miranda, uma das novas forças do jornalismo rocker brasileiro e um cara que tem muitas histórias pra contar e nos ajudar a entender a nova cara do jornalismo sobre música.

Igor Miranda é redator-chefe da Petaxxon Comunicação (www.petaxxon.com.br), que cuida de sites como o Cifras (www.revistacifras.com.br) e o Ei Nerd (www.einerd.com.br), entre outros, além de canais de YouTube, e também, escrevendo para o Whiplash.


Para conhecer e acompanhar o trabalho do Igor, acesse o seu site.


Quando você começou a escrever sobre música?

Meus primeiros textos sobre música foram feitos em 2007, em um blog chamado Combe do Iommi, que contou com o João Renato Alves (Van do Halen) e o Marcelo Vieira (Rock Brigade, Metal na Lata), entre outros colegas. Meu início foi bem amador, já que eu comecei com 14 anos e ainda era estudante do Ensino Médio, mas seja por hobby ou por profissão – acabei me formando em Jornalismo no fim de 2014 –, não parei de escrever sobre música desde então.

O que o motivou a escrever sobre música?

A intenção de compartilhar sempre foi o fio condutor da minha escrita sobre música, até porque esse primeiro blog era, basicamente, de recomendações musicais. Sempre gostei de sugerir músicas e mostrar bandas para meus amigos, então, meus textos sobre música funcionavam (e, por vezes, ainda funcionam) como uma forma de apresentar alguma coisa para quem estiver lendo.

Sobre quais gêneros musicais você escreve?

Desde o início, escrevo de forma majoritária sobre rock, mais especificamente sobre classic/hard rock e heavy metal. Com o tempo, expandi o leque e passei a escrever sobre mais estilos. Em um primeiro momento, ampliei por obrigação, porque já tive que fazer resenhas sobre álbuns da Anitta, por exemplo, e entrevistas com nomes como Gusttavo Lima e Os Travessos para veículos onde trabalhei. Depois, rolou por mudanças naturais no meu gosto, pois comecei a curtir outros estilos e, consequentemente, a ter vontade de escrever sobre eles, como blues, pop, soul music e até outras vertentes dentro do rock.

Quais foram as suas principais influências no jornalismo musical?

Não tive “personagens” em específico como influência em um momento inicial, mas, sim, veículos de comunicação. A MTV, por meio de diversos programas, foi a principal responsável por me despertar a vontade de falar sobre música. Também gostava de ler algumas revistas na época, como a Bizz, Rolling Stone, Roadie Crew e Rock Brigade, bem como as reportagens sobre música em jornais e revistas de atualidades.

O que você mais gosta de produzir dentro do jornalismo musical?

Ultimamente, tenho valorizado muito as entrevistas, tanto pela riqueza de informações que podem trazer quanto pela carência de produções desse tipo em nosso meio. Jornalistas musicais precisam dos ouvidos para trabalhar, mas são raros os que dão atenção para o que outras pessoas, mesmo os músicos, têm a dizer. E os próprios artistas, bem como seus assessores, tendem a ser fechados e dificultam o agendamento de entrevistas – talvez, por receio do que o jornalista pode questionar ou publicar. Por toda essa carência e até pelo desafio proposto, gosto bastante não só de fazer entrevistas, como incluir citações a outros veículos em meus textos, sejam informativos ou opinativos, como reviews.

Na hora de analisar um disco, quais aspectos da obra você costuma avaliar e dar mais peso para chegar a uma conclusão sobre o álbum?

Os critérios costumam variar em cada caso, mas quatro deles quase sempre aparecem. O fator “inovação” pesa muito para mim, embora eu reconheça que não seja possível avaliar um álbum do AC/DC, por exemplo, esperando grandes novidades. O segundo é a identidade, pois dá para notar as “impressões digitais” de uma banda mesmo que ela soe parecida com outra, como é o caso do Greta Van Fleet comparado ao Led Zeppelin. O terceiro é a forma que o álbum em questão se posiciona na discografia (se é melhor que os anteriores, se demonstra evolução, etc), pois a avaliação pode ser mais favorável ou não dentro do contexto da carreira. Por fim, de forma ainda mais subjetiva, analiso o repertório: se me envolveu, se prendeu a minha atenção, se as músicas são interessantes, costumo dar pontos positivos.

Como é o seu método de escrita? Como é a sua rotina na hora de analisar um disco ou produzir uma matéria? Sai tudo de uma vez ou esse processo leva alguns dias?

O processo costuma levar algumas horas, porque gosto de pesquisar bem antes de escrever sobre determinado assunto, mesmo quando já conheço bastante. Às vezes, quando são pautas previstas – aniversários de lançamentos, por exemplo –, começo a pensar no texto alguns dias antes, mas sem colocar nada “no papel”. Independentemente do processo ser mais rápido ou demorado, faço uma espécie de divisão em tópicos dos pontos que quero abordar e, só depois, começo a redigir. Bem metódico, mas é como tem funcionado comigo.

Quais veículos sobre música você indica não apenas pra quem quer se informar sobre o assunto, mas também para quem deseja encontrar matérias de qualidade e que podem ser úteis para iniciar no jornalismo rocker?

Ainda que a produção sobre jornalismo musical – especialmente focada no rock – no Brasil seja um tanto deficitária, há alguns veículos daqui fazendo materiais interessantes. Para notícias, estou sempre de olho na Van do Halen. Tenho orgulho de ter feito parte da fundação do projeto, que segue na ativa com o João Renato. Para textos mais opinativos, não apenas sobre rock, tenho gostado de muitos materiais da Vice (embora sejam claramente traduções), do blog do Mauro Ferreira no G1 e da finada coluna do André Barcinski no UOL – além, é claro, da Collectors Room. O Tenho Mais Discos Que Amigos também faz um trabalho interessante e que vem em uma crescente. Quando se faz uma boa filtragem, o sempre criticado (por vezes, com justiça) Whiplash apresenta materiais tanto antigos quanto atuais que são interessantes. E o canal do Gastão no YouTube merece elogios por trazer o conteúdo para o YouTube de uma forma dinâmica e sem apelação, diferente de outros YouTubers da área.

Porém, os melhores veículos para se acompanhar estão, de fato, na gringa. As revistas Classic Rock, Metal Hammer, Revolver e Kerrang! são minhas principais referências atualmente. As assinaturas, mesmo as digitais, são um pouco caras, mas vale a pena – e talvez seja por isso que o conteúdo consiga atingir um bom patamar de qualidade, né? Entre sites, gosto de acompanhar Loudwire e Ultimate Classic Rock, Louder (das revistas Classic Rock e Metal Hammer), Rolling Stone, Billboard e Pitchfork. Também ouço alguns podcasts e programas de rádio em certos casos, como os de Mitch Lafon, Eddie Trunk e Chris Jericho.

Em uma época onde as opiniões são instantâneas, a crítica musical ainda importa e segue sendo relevante?

Acredito que sim, mas não da forma que poderia, pois os jornalistas musicais ainda não perceberam as mudanças pelas quais estamos passando na forma de produzir (e consumir) conteúdo. Alguns se tornaram “tuiteiros imediatistas”, enquanto outros preferem fazer à moda antiga e deixam a relevância de seu trabalho se perder. Como disse em outra resposta, jornalistas musicais não estão acostumados a ouvir outras pessoas – e essa dinâmica é totalmente contrária ao que temos hoje na internet. Não é uma questão de se deixar influenciar pelo que as pessoas estão falando (até porque o jornalismo esportivo seguiu para esse outro lado e, hoje, é alvo de críticas por isso). É só dar o mínimo de atenção aos seus leitores.

Além disso, o próprio conceito de resenha, um dos gêneros mais marcantes do jornalismo musical, está se modificando com o passar dos anos. Ainda em minha monografia na faculdade, defendi que você não precisa mais da resenha para orientar o seu consumo, diferente do que os teóricos estabeleceram lá atrás: basta dar o play no Spotify, no YouTube ou em qualquer plataforma (inclusive pirata) para ouvir uma música ou um álbum e formar sua própria opinião.

Talvez não estejamos precisando mais de dezenas de sites fazendo reviews parecidos sobre os mesmos álbuns e noticiando fatos idênticos de formas semelhantes. Talvez estejamos precisando de uma mudança na forma que produzimos – e de ouvir o público.

O quanto o hábito da leitura é importante na construção de um estilo próprio, de uma voz, dentro da crítica musical?

Para quem trabalha com jornalismo musical, é imprescindível dedicar um tempo de seu dia à leitura, não só de outros veículos da área, como, também, de outras editorias e de livros. Quando Roger Waters fez aquela turnê pelo Brasil em 2018, alguns jornalistas se surpreenderam com as claras manifestações políticas feitas em seu show. Poucos deles pareciam saber o significado por trás de obras como Animals (1977) e The Wall (1979) ou conferiram qualquer declaração do músico, mesmo que nos últimos anos. A música é uma manifestação cultural, logo, ela reflete o contexto em que foi produzida, seja pessoal ou social.

Além disso, é importante conferir as produções de outros colegas para compreender seus estilos e pontos comuns de argumentação para que se encontre um tom próprio. Deve-se tomar cuidado para não criar um personagem e “morar” dentro dele para sempre, como alguns jornalistas mais antigos fazem, mas ter identidade em seu próprio texto é algo necessário – especialmente na internet, um espaço de vozes plurais que sempre têm muito a dizer –, caso contrário, seu trabalho não se destaca.

O quanto consumir não apenas outros estilos musicais, mas também outras formas de arte, é importante para o trabalho de um jornalista de música?

O jornalismo musical é uma ramificação da editoria cultural. Todo jornalista musical é um jornalista cultural – sendo assim, é importante consumir e até ter certo domínio sobre outras formas de arte. Em uma tacada só, um álbum musical pode fazer referências às artes visuais (com a capa e o encarte), ao teatro/cinema (seja com letras ou com videoclipes, ainda que este seja uma extensão do álbum) e à literatura (por meio das letras), entre outras manifestações artísticas. Alguns dos álbuns mais exaltados da história da música dialogam com outras formas de arte. Por tudo isso, não dá para se isolar como um “jornalista musical” e ignorar outras expressões culturais. Tudo está conectado.

Essa visão também se aplica à variedade de estilos musicais. Alguns das maiores nomes da história do rock dialogaram com outros gêneros, como os Beatles, Elvis Presley, Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin e outros. Da mesma forma, outros artistas gigantes de segmentos diferentes também trouxeram elementos do rock em seus trabalhos, como Michael Jackson, Lady Gaga, Prince, Elton John e Bee Gees (estes dois últimos, inclusive, começaram no rock). Conhecer e consumir outros estilos – e outras formas de arte – dá propriedade às análises e argumentações de qualquer jornalista musical.

O que é ser um crítico de música hoje em dia?

Fazendo referência a uma das primeiras respostas, acho que um jornalista musical (e perceba que estou evitando o termo “crítico”) é alguém que compartilha música. Seja com histórias, análises ou, especialmente, indicações, quem trabalha nessa área deve estar disposto a dividir o que encontra por aí. Para mim, o funcionamento dessa profissão precisa obedecer a uma dinâmica completamente “anti-hipster”: um artista, um álbum, uma situação, etc, fica MAIS legal quando mais pessoas conhecem.


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