O final de Game of Thrones e o quanto o jornalismo nerd precisa evoluir

Sobre Game of Thrones: a série elevou o padrão da TV para algo nunca antes visto e trouxe de volta a paixão pelas histórias medievais de fantasia em uma escala muito maior do que vimos com a adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis, realizada entre 2001 e 2003. A produção da HBO estreou em 17 de abril de 2011, teve 73 episódios em oito temporadas e se tornou um fenômeno pop sem igual.

Game of Thrones foi, talvez, a última série que todos nós assistimos juntos. Sofremos juntos. Torcemos juntos. Vibramos juntos. E imaginamos como tudo deveria ser - obviamente, juntos. Foi assim que surgiu uma imensa rede de fãs em todo o planeta, na tentativa de tentar adivinhar para onde a série iria e quais teorias poderiam virar realidade. Isso aconteceu porque a história nos conquistou e nos importamos com os seus personagens. E já que o próprio autor de tudo, o preguiçoso George R.R. Martin, não finalizou os livros até hoje, nos sentimentos plenamente aptos a, quem sabe, assumir o seu lugar e definir o que deveria rolar. A questão é que somos muitos. Milhões ao redor do mundo. E milhões de finais possíveis estavam em nossas cabeças.

GoT sempre subverteu as regras narrativas, e isso ficou claro logo na primeira temporada, ao construir um personagem central e matá-lo de maneira chocante e surpreendente. Essa dinâmica se repetiu ao longo das demais temporadas, com reviravoltas inesperadas e que mostraram que o gênero de espada e fantasia pode fugir dos seus estereótipos e vícios e entregar uma história que mexe de maneira profunda com o espectador, mesmo se passando em um tempo e em uma realidade milhas e milhas distantes de quem está assistindo.

O final seguiu a mesma linha. Apressado, doído em alguns momentos e belo em outros, porém coerente com o contexto de toda a história. E com uma lição para todos nós, que amamos a cultura pop: precisamos entender que não somos donos de nossos personagens favoritos. Daenerys Targaryen sempre será uma das minhas personagens prediletas, assim como Tyrion Lannister, mas seus destinos e de todos os demais nunca estiveram em minhas mãos. Somos apenas espectadores. E somos felizes por presenciar e assistir algo tão grandioso quanto Game of Thrones nesses últimos nove anos.

  

Entendo as reações apaixonadas de fãs com o final apresentado, porém acho ridículo quando esse comportamento destemperado chega até produtores de conteúdo e sai da boca de pessoas que passaram anos analisando a trama e destrinchando-a de maneira mais profunda para o público. YouTubers agindo feito crianças mimadas e postando “essa série é uma merda” nos perfis dos atores é algo que só me causa uma coisa: vergonha alheia. A petição para que a HBO refaça toda a temporada final é mais uma criancice de pessoas que não conseguem conviver com opiniões contrárias às suas do que qualquer outra coisa. Canais de YouTube que cresceram e conquistaram público quase que exclusivamente por causa da enorme dimensão da série dando piti com o final que não ficou de acordo com as suas expectativas me parece uma falta de noção enorme e não difere em nada, por exemplo, da reação patética dos fãs de quadrinhos com o anúncio de que Robert Pattinson, astro de Crepúsculo, será o novo Batman nos cinemas. 

É claro que ninguém precisa aceitar calado - e nem deve - algo que envolve tanta emoção como o que acabamos de assistir na noite deste domingo, 19 de maio. Porém, o cérebro está aí à disposição de todos para que possamos elaborar análises mais profundas do que surtos esganiçados e explosivos. O triste é que esse comportamento, como já disse, não é percebido apenas no público, mas também em grande parte da imprensa brasileira especializada em cultura nerd. E isso, todos sabemos, é algo preocupante e que mostra o quanto é preciso seguir evoluindo em busca de um jornalismo cultural mais completo e profissional. Afinal, se quem produz esse jornalismo não consegue conviver com visões contrárias às suas sem xingar muito no Twitter e em todo lugar, é hora de parar, respirar e ver o que está acontecendo de errado.

Game of Thrones foi a série que mais mexeu comigo e a melhor que assisti em todo a minha vida. Isso não é pouca coisa, e muito dessa façanha foi justamente por entregar o que eu não esperava, ao invés do que eu imaginava. De longe, esse foi o maior mérito da produção da HBO.