Review: Avantasia – Moonglow (2019)



Desde sua concepção, o heavy metal sempre flertou com gêneros musicais mais rebuscados e requintados, buscando elementos, por exemplo, da música erudita para incorporar à beleza e complexidade de suas composições. Surgiram assim os discos conceituais, os sinfônicos e as óperas-rock.

Quando o The Who deu à luz a obra primordial das óperas-Rock, o clássico Tommy (1969), abriu um leque de possibilidades para que a teatralidade estivesse cada vez mais presente nos lançamentos da música pesada. Um dos grandes herdeiros desse legado, o Avantasia, criado pelo vocalista do Edguy, Tobias Sammet, tornou-se aquele que talvez seria o maior expoente desta vertente do metal, com o lançamento dos grandiosos - e já clássicos nos dias de hoje – The Metal Opera (2001) e The Metal Opera Part II (2002). O sucesso estrondoso com o qual a banda debutou em estúdio gerou enorme expectativa acerca dos lançamentos seguintes, sendo de certa forma suprida em The Scarecrow (2008), mas deixando a desejar a partir de então.

Ainda assim, na iminência de cada novo álbum as expectativas se renovam. Dessa vez, ocorreu especialmente devido aos convidados inesperados (ou talvez há tanto esperados), à belíssima arte da capa (criada pelo pelo pintor sueco Alexander Jansson) e ao primeiro single. A participação ilustre de um dos maiores ícones da vertente mais fantasiosa do metal, Hansi Kürsch, do Blind Guardian, em “The Raven Child”, além da grandiosidade e beleza sublime da canção (que falarei um pouco mais logo adiante) e a incrível e fantasmagórica arte do single, me tiraram completamente da neutralidade da qual eu esperava por este lançamento. Marquei a data na minha agenda, coloquei para notificar e aguardei ansioso. A qualquer novo movimento, nova música lançada, mais e mais expectativas, até que finalmente, no dia quinze de fevereiro, quando finalmente o disco foi disponibilizado, o escutei umas três vezes seguidas, consumindo cada detalhe e descobrindo novos elementos a cada audição. Seguem então as impressões que tive com aquelas três e tantas outras audições, uma vez que o disco me acompanhou no repeat por uma longa viagem de carro que fiz logo que ele foi lançado.

Uma primeira e importante observação diz respeito a não ser um disco, tal qual a maioria dos anteriores, onde uma música “complementa” a outra, tornando as faixas mais independentes e as composições mais livres, apesar do conceito transcorrer em torno de um tema comum e uma personagem central: a história de uma criatura noturna que luta para lidar com a realidade e recorre aos mistérios da lua para viver em seu “próprio mundo”. Outra ressalva importante nesse aspecto é que, também diferente do que era comum nos registros da banda, os convidados não interpretam personagens de uma história, necessariamente, agregando apenas com as suas participações à riqueza das canções.

O oitavo álbum do projeto de Sammet abre com “Ghost in the Moon”, onde o vocalista decide mostrar que, apesar de sempre estar rodeado de músicos fantásticos, ele é o homem a frente deste projeto. A canção começa e termina em Tobias, que desfila seu repertório (sem soar apelativo) durante incansáveis dez minutos de uma música épica, cheia de coros, riffs bombásticos, epicidade (existe essa palavra?) e todos os elementos que sempre caracterizaram a música do Avantasia, num convite irrecusável para esta deliciosa jornada de pouco mais de setenta minutos.

“Book of Shallows” apresenta os primeiros convidados e, já de cara, duas gratas surpresas: o já citado Hansi Kürsch e a inesperada e improvável participação de Mille Petrozza, frontman de um dos maiores nomes do thrash metal mundial, o Kreator. Além deles, as figurinhas repetidas Ronnie Atkins do Pretty Maids e Jorn Lande (o arroz de festa com uma das mais belas vozes do metal) dão as caras novamente. A música é a mais pesada do disco e começa como uma típica canção de power metal com riffs velozes e potentes, melodias e pedal duplo que culminam num refrão bombástico, a receita básica do gênero. Mas aos poucos a canção cresce, tornando-se dinâmica e recebendo elementos que acompanham as características musicais de cada intérprete, culminando na incrível transição de gênero para o thrash, quando Petrozza entra com seus vocais cortantes, onde os riffs ganham ainda mais peso, convidando o ouvinte a bater cabeça ao estilo do mais típico thrash europeu praticado pelo Kreator.

A faixa título e primeiroclipe do álbum (que lembra muito os trabalhos do diretor Tim Burton), parecia vir para acalmar os ânimos como uma baladinha clichê à lá “Carry Me Over” ou “Lost in Space” e com a belíssima participação da estreante Candice Night, mas surpreende positivamente, especialmente quando se esperava algo mais na linha do que ela faz na sua própria banda, ou o que fez em “Light the Universe”, do Helloween. A música mantém o nível alto do disco e, apesar do claro apelo comercial, soa melhor do que faixas outrora gravadas pela banda com propósitos similares (revisando essa crítica dois dias após tê-la escrito e esse refrão ainda não saiu da minha cabeça).

Em “The Raven Child” chegamos ao ponto alto do álbum. A primeira faixa liberada como single - e curiosamente a música mais longa do disco - é uma das melhores composições de toda a história do Avantasia e poderia facilmente figurar nos clássicos dois volumes de The Metal Opera. As participações de Hansi Kürsch e Jorn Lande são simplesmente brilhantes, contrastando suas vozes mais graves com os vocais mais suaves e agudos de Tobias. A música começa melancólica, elegante e sonhadora, utilizando-se de elementos medievais muito apropriados ao seu clima introspectivo (que poderiam ter aparecido mais vezes no decorrer do álbum), mas culmina em trechos bombásticos, épicos e carregados de emoção, onde a música cresce e a banda preenche todos os espaços, com destaque para as guitarras sempre precisas de Sascha Paeth e à gravação impecável, que deixa todos os instrumentos bem na cara.

Nesse ponto, vale ressaltar que não houve dessa vez participações de músicos adicionais, ficando a parte instrumental a cargo de Tobias Sammet (vocal principal, teclado adicional, baixo), Sascha Paeth (guitarra, baixo), Michael Rodenberg (teclados, piano, orquestrações) e Felix Bohnke (bateria e percussão).

“Starlight” é curta, simples e direta, sem firulas, mas com um refrão poderoso e com a participação sempre consistente de Ronnie Atkins, remete a preferidas dos fãs como “Serpents in Paradise” e “Reach Out for the Light”, mas sem a grandiosidade de ambas.

“Invincible” e “Alchemy” contam com a participação de Geoff Tate, ex-Queensrÿche, que já havia aparecido anteriormente em Ghostlights (2016). “Invincible” é uma balada conduzida por um piano melancólico e excelentes atuações de ambos os vocalistas e serve de introdução à robusta “Alchemy”, recheada de coros e elementos sinfônicos, além de alguns riffs mais cadenciados interessantíssimos e um belíssimo solo Sascha Paeth. A música peca apenas em se estender um pouco além do necessário e soar repetitiva em alguns momentos.

Na sequência, “The Piper at the Gates of Dawn” mostra-se grandiosa, mas por momentos caótica devido a quantidade exorbitante de convidados. Além dos já citados Atkins, Lande e Tate, ainda conta com a participação de Eric Martin (Mr. Big) e Bob Catley (Magnum), do qual Tobias sempre se mostrou um grande fã, gravando até um cover para “The Spirit”, com o Edguy. Não se trata de uma música ruim ou abaixo da média, pelo contrário, é uma ótima composição, mas soa confusa em alguns momentos, como se várias músicas tivessem sido enfiadas em uma única composição e os cantores competissem entre si, sem soar dinâmica o suficiente para suas alternâncias.

Em “Lavender” é possível observar melhor o trabalho de Bob Catley, mas a faixa em si pouco acrescenta a tudo que já foi feito, apesar de não comprometer o conjunto da obra, sendo notada mais pela participação do convidado e seus belos vocais do que por sua composição.

O tracklist normal é finalizado com a já clássica participação de Michael Kiske em “Requiem for a Dream”, um power vigoroso e melodioso, bem característico as contribuições anteriores do vocalista no projeto de Tobias Sammet como em “Reach Out for the Light”, “No Return” e “Shelter from the Rain”. Destaque para o curto, mas poderoso, solo de baixo de Tobias.

Como bônus ainda contamos com uma versão de arranjos simples e óbvios, mas muito agradável, de” Maniac”, composição de Michael Sembello presente na trilha de Flashdance (1983), com a participação de Eric Martin, que poderia soar improvável se o próprio Avantasia já não houvesse feito sua própria versão para uma canção do ABBA. “Heart” também é bônus e parece ser uma sobra de estúdio, com apenas Tobias nos vocais e um power melódico simples que talvez pudesse ter entrado no álbum no lugar de uma ou outra canção menos inspiradas.

Por fim, a impressão que fica não é muito diferente da que venho tendo desde The Wicked Symphony (2010). Moonglow é sim um disco muito bom, mas que segue apresentando poucas novidades em relação ao que o próprio Avantasia já criou, deixando sempre um gostinho de que poderiam se reinventar e experimentar mais.

É saudosista e me sinto um velho chato bradando que “na minha época era melhor”? Sim! Mas para quem já criou verdadeiros hinos do power metal como “Farewell”, “Avantasia”, “Sign of the Cross”, “The Seven Angels” e “Twisted Mind”, apenas para citar alguns exemplos, Moonglow diverte, mas acrescenta pouco.




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