Existem alguns artistas cuja obra possui uma ligação tão forte e intrínseca com sua terra natal que, fora de seus países, seu trabalho acaba não alcançando o tamanho e o reconhecimento que lhes é conferido em seu chão.
Bruce Springsteen é um desses caras. Mais conhecido no Brasil por ser o autor de "Born in the U.S.A.", mega-hit oitentista que por aqui foi considerado erroneamente uma apologia aos Estados Unidos da era Ronald Reagan (quando na verdade fazia justamente o contrário, criticando em sua letra as políticas adotadas pelo ex-ator, um dos principais responsáveis pela onda de conservadorismo que varreu aquele país nos anos 1980), Springsteen é uma espécie de working class hero para o povo americano.
Dono de uma carreira longa e sólida, que teve início em 1973 com Greetings From Asbury Park, N.J., alcançou seu ápice criativo em trabalhos como Born to Run (1975), Darkness on the Edge of Town (1978) e Nebraska (1982), e que tomou e assalto o mundo com o desconcertante desfile de hits de Born in the U.S.A. (1984).
Mas Bruce andava dando voltas ao redor do próprio rabo entre o final dos anos 1990 e a primeira metade da década de 2000, com bons discos mas que, inegavelmente, estavam abaixo de seus melhores momentos. Ainda que os álbuns que lançou nesse período indicassem um gradativo retorno a tempos mais criativos, foi com um disco de releituras que Springsteen conseguiu entregar aos seus fãs um trabalho digno de sua história após anos onde a temperatura, ainda que com picos ocasionais, permaneceu predominantemente morna. We Shall Overcome: The Seeger Sessions, lançado em 2006 e focado na obra do compositor Pete Seeger, fez com que Bruce olhasse para as suas origens, fator fundamental para o nascimento de Magic, seu décimo-quinto disco de estúdio e o início efetivo da ótima fase que se mantém até hoje.
A magia retomada por Springsteen apresenta uma qualidade desconcertante. Coeso, consistente e inspirado, o álbum olha para o passado do compositor, pescando suas melhores características, mesclando-as com a experiência acumulada pelos anos, injetando novos ares na história de um artista que há décadas não precisa provar nada para ninguém.
Suas doze faixas (sim, doze, porque há uma última, "Terry's Song", escondida) proporcionam um imenso prazer a quem se aventurar pelo CD. Há desde rocks de arena oitentistas até hinos estradeiros, passando por lindas baladas e momentos mais intimistas. Bruce fala sobre relacionamentos nas letras de todo o disco, sejam elas com a pessoa que você ama, com os seus amigos, com os indivíduos que você vai encontrando pelo caminho e que, mesmo inconscientemente, mudam a sua vida. São pequenos contos que aproximam o trabalho do artista de pessoas como nós, que estamos do outro lado, ouvindo o álbum, fazendo com que a identificação seja imediata e inevitável. Você já viveu o que Bruce canta, e ele sabe disso.
Músicas como "Radio Nowhere", "You'll Be Coming Down", a deliciosa "Girls in their Summer Clothes", "Magic" e "Long Walk Home" estão entre as melhores de toda a carreira de Springsteen, e são destaques em um disco que apresenta um artista renovado, inspirado e de bem com a vida, no ponto de partida para uma das etapas mais arrebatadoras de sua trajetória e que deu aos fãs álbuns ótimos como Working on a Dream (2009), Wrecking Ball (2012) e High Hopes (2014).
Magic é um excelente trabalho, uma prova de que a experiência fez bem à Bruce Springsteen. Um disco do mais alto nível, à altura de um cara que não carrega a alcunha de The Boss à toa.
Apenas seis letras: compre!
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