Nos EUA de Ronald Reagan, era preciso peito para batizar
uma banda de Kennedys Mortos. Imagine alguém entrar numa loja no
Brasil e dar de cara com um disco da banda Fernandas Montenegros Esquartejadas
ou Algozes do Frei Damião. O choque seria o mesmo.
E Jello Biafra queria mesmo chocar. Quando ainda era
conhecido por Eric Boucher, o rapaz já era revoltado: contra o governo, contra
os direitistas, os militares, os yuppies, a sociedade de consumo, o rock.
Depois que se mudou para a liberal São Francisco, no fim dos anos 1970, Eric
resolveu expelir todo esse ódio em forma de música. O resultado foi o Dead Kennedys.
Seu primeiro LP, Fresh Fruit for Rotting Vegetables,
caiu na cena californiana como uma bomba atômica. Até então o punk americano
tinha tradição de bandas festeiras, tipo Circle Jerks e Ramones. Política não
era o forte. Não havia um Clash ou um Sham 69 na terra do Tio Sam. Mas Jello e
seus colegas - o guitarrista East Bay Ray e o baixista Klaus Flouride - mudaram
tudo isso.
Fresh Fruit for Rotting Vegetables foi o primeiro
manifesto anarquista do punk americano. Com sua voz de personagem de desenho animado,
Jello conclamava o povo a matar os pobres ("Kill the Poor"), linchar
os síndicos ("Let's Lynch the Landlord"), tomar drogas ("Drug
Me"), roubar correspondência ("Stealing People's Mail"),
exterminar crianças ("I Kill Children") e visitar o Camboja ("Holiday
in Cambodia"). Falava também de guerra química, golpes militares e
conspirações direitistas. Tudo isso embalado por uma ironia corrosiva e por uma
explosiva combinação de punk, surf music e experimentalismo.
O Dead Kennedys nunca se encaixou na teoria simplista de
que punk se faz só com dois acordes e um pulmão forte. Suas músicas têm
arranjos elaborados e mudanças inesperadas de ritmo e andamento.
Jello colheu exatamente o que plantou: discórdia e
incompreensão. Foi processado por obscenidade, teve discos recolhidos, brigou
na justiça e incomodou muita gente. Era uma mosca na sopa da sociedade
americana, um câncer - necessário.
Jello levou o lema "faça você mesmo" ao
extremo: montou a própria gravadora - a Alternative Tentacles - e lançou todas as
bandas de que gostava. Chegou a candidatar-se a prefeito de São Francisco,
propondo que os policiais usassem nariz de palhaço. Teria o meu voto, fácil.
Texto escrito por André Barcinski e publicado na Bizz #176,
de março de 2000
Essa banda perdeu totalmente meu respeito, pra ela só valida com Jello Biafra, o resto é buraco. Parabéns pela ótima resenha como sempre. Vida Longa.
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