Discoteca Básica Bizz #177: Dexys Midnight Runners - Searching for the Young Soul Rebels (1980)



O impacto continua o mesmo. Do meio de uma selva de estática radiofônica, que capta fugazmente Deep Purple e Sex Pistols, entre outros, emerge uma voz que clama "Pelo amor de Deus! Queimem isso!". Vem então o batidão carregado por uma seção de metais, old fashioned, mas feroz. O vocalista se esgoela: ''Eu vou perguntar apenas mais uma vez / Você só quer acreditar / Este homem está esperando por algo para segurar a sua onda! / Ele jamais entendeu o significado / Nunca ouviu falar, nunca pensou sobre /Oscar Wilde e Brendan Behan / Sean O'Casey, George Bernard Shaw, Samuel Beckett / Eugene O'Neill, Edna O'Brien e Lawrence Stern". É como se um bando de punks tivesse pego a Academia Irlandesa de Letras como refém e se entrincheirado na gravadora Stax. São os Dexys Midnight Runners em Searching for the Young Soul Rebels, de 1980.

Os Dexys Midnight Runners não eram irlandeses (ao contrário dos pais de seu líder, Kevin Rowland, nascido em Wolverhampton, Inglaterra), mas eram realmente tarados por soul. Eram, a princípio, um octeto de Birmingham insatisfeito com os rumos diluidores da tal da new wave: Rowland (vocal e guitarra), Al Archer (guitarra), Pete Saunders (teclados), Steve Spooner (sax alto), Pete Williams (baixo), Bobby Junior (bateria), J.E. (sax tenor) e Jim Paterson (trombone). Narrada no encarte do CD - que exclui as maravilhosas letras, presentes no velho LP -, a história de sua formação faz pensar em The Commitments, livro de Roddy Doyle deliciosamente adaptado para o cinema por Alan Parker. A lógica aqui é mais ou menos a mesma de "os irlandeses são os negros da Europa e, portanto, só podem tocar soul".

E, meu Deus, como tocam. Certo, é tudo vagamente paródico, aquele bando de branquelos tentando soar como se tivesse as mãos calejadas pelas colheitas de algodão às margens do Mississippi. E, no entanto, se move, funciona, empolga.


Depois de "Burn It Down", a declaração de princípios lá de cima, vem uma sucessão de soulzaços, baladas e blues puxados no órgão Hammond e nos sopros, como a instrumental "The Teams That Meet in Caffs". Prestando-se atenção às letras, tem-se quase a sensação de se estar diante de um - com o perdão da má expressão - álbum conceitual, a girar em torno do sentimento de alheamento, tanto em relação ao vazante movimento punk ("There, There, My Dear", que reclama "se vocês são tão antimoda, por que não usam plumas em vez de se vestirem todos iguais?") quanto ao amor eterno ("Love Part One", devastador poema declamado que conclui "às vezes eu quase invejo a necessidade, mas não vejo o valor", sobre um solo de sax).

Esse travo crítico jamais exclui a diversão. O grande sucesso do disco foi "Geno", vibrante homenagem ao soulman Geno Washington. "Eu vou me lembrar de seu nome", promete Rowland no verso final da canção. Nós nos lembraremos para sempre de Rowland.

Texto escrito por Arthur Dapieve e publicado na Bizz #177, de abril de 2000

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