
Se
formos parar pra considerar as bandas clássicas do hardcore norte-americano
como Dead Kennedys, Black Flag, Bad Brains e Minor Threat, veremos que quase
nenhuma delas conseguiu manter uma carreira ativa após a década de 1980 -
muitas nem chegaram inteiras até o final. Mas enquanto a maioria se debandou
ora para fora da música, ora para projetos dentro de subgêneros do estilo
(descontando ocasionais voltas e turnês nostálgicas), os californianos do Bad
Religion sempre se mantiveram em atividade, com uma discografia regular e
constantes turnês mundo afora, mesmo em meio a compromissos extra-musicais - o
vocalista (e membro mais longevo) Greg Graffin é PHD em paleontologia
evolucionária e leciona na universidade da California.
Ainda
assim, se passaram seis anos desde o último álbum de estúdio, True North, o
maior hiato entre lançamentos da banda - não contando o disco de canções
natalinas (?), que também é de 2013. E nesse período de tempo mudanças
aconteceram, como a demissão (na versão do próprio) do velho guitarrista Greg
Hetson, que passou por um divórcio e algumas pendengas judiciais nebulosas, e a
saída do baterista Brooks Wackerman para o Avenged Sevenfold. Mike Dimkich
(ex-The Cult) e Jamie Miller tornaram-se os respectivos substitutos, com o
último fazendo sua estreia em estúdio com o hoje sexteto - o novo guitarrista já
havia registrado o disco de Natal.
Muitos
já afirmaram que em tempos que a extrema direita - ou o que é considerado por
alguns como “extrema” - ascende ao poder, as bandas oriundas do punk/hardcore
acabam ao menos ganhando mais assunto para as letras, além de talvez um vigor
renovado pela raiva e a revolta com o sistema renovada. E com o Bad Religion
não foi diferente, já que Brett Gurewitz (principal compositor junto com o
vocalista) anunciou desde o ano passado que a recente eleição de Donald Trump
como presidente dos Estados Unidos teria influência direta nas composições, o
que, convenhamos, não surpreende, ainda mais tendo na memória a temática
anti-Bush adotada em The Empire Strikes First (2004) quinze anos atrás.
Já
em termos musicais, para o bem ou para o mal, Age of Unreason não traz grandes
inovações dentro do som da banda. Mesmo as influências de folk e country de
determinadas canções não são algo novo - vide “Man With a Mission” (1993),
“Drunk Sincerity” (1996) ou mesmo a mais recente “The Devil in Stitches”.
Talvez o que dê pra se notar de diferente seja a produção de Carlos de la Garza
(Paramore, Jimmy Eat World), que deixou o som mais limpo e cristalino do que o
normal, o que até poderia ser visto como algo negativo, mas não quando falamos
da banda que praticamente deu início ao chamado - e muitas vezes defenestrado -
harcore melódico, um estilo que já não prima por muita sujeira.
Mas
uma sonoridade mais do mesmo não implica exatamente em músicas ruins, e tanto
Graffin quanto Gurewitz (aqui assinando todas as músicas juntos pela primeira
vez) são provavelmente os melhores compositores que o hardcore norte-americano
já ofereceu ao mundo. Tudo bem que canções como “The Approach” e “What Tomorrow
Brings” são daquelas que eles poderiam escrever dormindo, com suas sequências
de acordes manjados e as harmonias vocais de sempre (um diferencial do grupo
desde o início, vale frisar), mas ambas são bem satisfatórias, assim como a
dobradinha de abertura “Chaos From Within” e “My Sanity”, e “Big Black Dog”,
mais uma das sub-”21st Century Digital Boy” que a banda vira e mexe tenta
emplacar nos discos, felizmente aqui com um resultado melhor. Já entre as diferentes, sobressaem-se “Candidate”, que remete ao discos solos de Greg
Graffin - mais calcados em suas raízes americanas - a cadenciada “Lose Your
Head” e também “End of History”, que chega a lembrar - sério mesmo - Green Day.
Apesar
de algumas canções com cara de filler na parte final do tracklist, quase nada
em Age of Unreason pode ser considerado como um deslize, com exceção talvez de
“Do the Paranoid Style”, curiosamente um dos carros chefe de divulgação - a
genérica “The Kids Are Alt-Right”, divulgada ano passado, felizmente ficou
apenas como bônus. Há até uma faixa com co-autoria do guitarrista Brian Baker
(“Faces of Grief”), a primeira em anos. Está entre os melhores álbuns que a
banda já lançou? Nem de longe. Mas pode-se dizer que está no mesmo nível de
seus antecessores, em especial os também revivalistas New Maps of Hell (2007) e
True North (2013) - o mais ousado The Dissent of Man (2010) permanece como o
principal dessa safra. Mas a essa altura, vale mesmo a pena fugir tanto de um
estilo consagrado quando a maioria de seus fãs nem deseja isso? Talvez não.
Por
Matheus Henrique Pires
Ótima resenha!
ResponderExcluirOuvi o disco e gostei.
Como disse o autor, é mais do mesmo, sim, mas não é disso que gostamos?