Stevie Wonder e Smokey Robinson eram muito mais paqueradores, mas são raras as vezes em que igualaram Marvin Gaye em interpretação e sensualidade. Trocando em miúdos, Let's Get it On é o primeiro disco da Motown a exalar sexo.
Na biografia Divided Soul, o americano David Ritz revela que o cantor apanhara tanto do pai - um pastor chegado em se vestir de mulher logo após o culto - que, adulto, desenvolveu problemas como timidez com as garotas e ejaculação precoce. Talvez por isso o cantor tenha se casado com a maternal Anna Gordy, irmã do dono da Motown, muitos anos mais velha que ele. Porém, logo depois do sucesso de What's Going On (1971), o casamento havia terminado. Gaye afastou-se dos estúdios da Motown para trabalhar com músicos de jazz.
Muito do refinamento sonoro de Let's Get It On foi produzido nesses encontros. Mas a verdadeira inspiração apareceu tempos depois quando, no dia 13 de março de 1973, Marvin Gaye se deparou com Janis Hunter, uma garota de dezessete anos. Ali, ele superou qualquer problema que tivesse com o sexo oposto.
Let's Get It On, a princípio, nasceu como um disco dedicado a Jesus Cristo. Gaye era fanático por religião, desses capazes de passar horas discutindo sobre Jesus. Por isso é que em boa parte das letras do álbum ele fala de como é bom estar unido a alguém e da necessidade de se entender. Mas bastou Janis entrar na sua vida que o foco do disco mudou.
Do riff de guitarra da faixa-título à promessa contida em
"Just to Keep You Satisfied" ("Apenas para te satisfazer",
outra religiosa que foi distorcida na interpretação de Gaye), Let's Get It
On é uma obra-prima e de múltiplas utilidades. Os românticos podem usá-lo
como trilha para acasalamento - os sussurros e o sax de motel de "You Sure Love to Ball" são altamente recomendáveis. Os músicos irão se deliciar com as
linhas de baixo criadas por Wilton Felder. Já os mais religiosos poderão sonhar
com a ideia de que Marvin Gaye foi o melhor pregador que a igreja jamais teve.
E todos podem se deliciar com um tempo em que a música negra era muito mais do
que um bando de gente berrando "yo!" e andando de calças arriadas.
Texto escrito por Sérgio Martins e publicado na Bizz #194,
de outubro de 2005
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