Discoteca Básica Bizz #195: Herbie Hancock - Head Hunters (1973)



Quando estava introduzindo sua fase fusion, por volta de In a Silent Way (1969) e Bitches Brew (1970), Miles Davis teve de aporrinhar seus pianistas para que usassem teclados eletrônicos. Ou melhor, teve de aporrinhar Chick Corea, Joe Zawinul e Keith Jarrett - porque o versátil Herbie Hancock nunca se vexou com o jazz plugado. Pelo contrário, mesmo na fase acústica ele já gostava de gadgets: levava um protótipo de gravador portátil aos shows e o deixava embaixo do piano.

Depois, Hancock gravou álbuns em que fez recombinações de seu jazz classudo e climático com fragmentos de boogie elétrico - Crossings (1972) e Sextant (1973), em que os créditos das programações de Moog e ARP vão para Patrick Gleeson. Ecléticos sim, até afro-tecno-primitivo-futuristas (numa estranha junção de codinomes tribais e processamento eletrônico), mas ainda assim discos "de jazz'.

Nada que alertasse para o balanço sem volta de Head Hunters. Por trás de uma daquelas estantes gigantes de teclados e efeitos - piano, Rhodes, clavinete, órgão, sintetizadores, mellotron, echoplex -, como um Rick Wakeman negão, Hancock comandou o mais fulminante destacamento do jazz-funk: Bennie Maupin no sax, Paul Jackson no baixo, Harvey Mason na bateria e Bill Summers na percussão.


Só que a vistosa tecladeira era usada com concisão, precisão e senso de groove robóticos e intrincados - a contrapartida com melanina e testosterona ao Kraftwerk, numa antecipação do electro nova-iorquino que daria origem ao hip-hop e ao techno, anos depois. Os puristas ficaram tão alarmados com os timbres abstratos e as conduções lineares que se esqueceram de notar que, nas composições e nos solos de piano, o talento jazzístico continuava intacto. E Herbie provocava dizendo que ainda não tinha conseguido soar "comercial" de fato.

Na capa ele desaparece atrás de uma máscara tradicional africana onde V.U.'s e potenciômetros substituem os búzios. A primeira coisa que se ouve é uma levada sintética de baixo que é suingue e galhofa puros. Faça a experiência: toque os primeiros compassos de "Chameleon" em qualquer festinha black, electro-rock ou hip-hop e as mentes seguirão as bundas. Até o início dos anos 1980 Herbie testou a receita em meia dúzia de álbuns, alguns deles realmente comerciais, enquanto cultivava o jazz acústico em paralelo.

Só para dar uma ideia do imaginário do cara, na ilustração da capa de Thrust (1974) ele pilota uma espaçonave sobre Machu Picchu. Então, em 1983, veio Future Shock, nova obra-prima com Bill Laswell e o hino break "Rock It" fazendo dançar os b-boys em todo o universo.

Texto escrito por Alex Antunes e publicado na Bizz #195, de novembro de 2005


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