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O blues é algo difícil de se conhecer. É como a morte. Quando você se sente triste, você pode dizer ao mundo inteiro que você tem o blues.
Lightnin’
Hopkins
Lançada em agosto
de 2018 sob o selo Gold Edition (quadrinhos europeus com acabamento de luxo) da
Mythos Editora e com formato álbum (24x31 centímetros), Blue Note – Os Últimos
Dias da Lei Seca, dos franceses Mikael Bourgouin e Mathieu Mariolle,
nos apresenta um conto de máfia com trilha sonora de blues.
Dividida em dois
capítulos, a HQ é uma visão clássica e tradicional de uma das épocas mais romantizadas
da história americana: a Proibição ou Lei Seca (1920-1933). O primeiro capítulo
conta a história de Jack Doyle, um boxeador veterano que, ao retornar aos
ringues, é manipulado pela máfia e convencido a participar de lutas ilegais.
Uma ótima história de redenção. O segundo capítulo tem como protagonista um
jovem e talentoso bluesman, R.J., recém-chegado a Nova York e que, como todo
músico, deseja fazer sucesso e gravar um álbum. Artistas invejosos e a máfia
tornarão a estrada para o sucesso um tanto quanto sinuosa.
Tanto Doyle
quanto R.J. são protagonistas bidimensionais e relativamente ingênuos, mas a excelente
narrativa os humaniza, fazendo com que o leitor não demore muitos quadros para
se importar com eles. Os algozes, apesar de caricatos, são bem construídos: um capo
elegante, mas implacável, e um malandro vil e egoísta com pretensões à mafioso.
As duas histórias são independentes, mas paralelas, cruzando-se aqui e ali para
nos mostrar que acontecem na mesma região, com os mesmos antagonistas e
personagens secundários. Lentas, mas crescentes em tensão, ambas narrativas
culminam em desfechos inesperados, mas coerentes. O epílogo, de maneira
inteligente, nos remete ao blues.
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A arte, principalmente pela escolha da paleta de cores, serve à narrativa. À Doyle, que retorna contra a vontade à Nova York e nutre sentimentos ruim sem relação à cidade, as cores são terrosas, remetendo à sujeira das ruas e do coração de seus algozes. As sequências das lutas são muito bem construídas e permitem ao leitor compreender exatamente o que está acontecendo. À R.J. reserva-se, obviamente, o azul. E é no capítulo do bluesman que Bourgouin dá seu show, mostrando total controle da narrativa visual. Artes de página inteira, propositalmente exageradas em seu jogo de luz e sombras, transmitem, com sucesso, a sensação de escutar e sentir a música de R.J. em uma mídia essencialmente afônica.
Exemplo
importante do social inserido na arte, o blues não nasceu em ambientes
propriamente artísticos, mas nas plantações de algodão americanas povoadas
pelos escravos que cantavam suas vidas árduas e miseráveis. Como expressão
cultural, porém, o blues tornou-se um gênero musical e acabou por abarcar
inúmeras temáticas: do cabaré barato (“Sweet Honey Hole”, de Blind Boy Fuller),
passando pela jogatina (“Bad Luck Dice", de Clifford Gibson) e chegando aos aclamados festivais de jazz (Muddy Waters no Festival de
Montreux). O mais famoso bluesman, Robert Johnson (R.J.), cantou sobre tudo: mulheres,
saudade do lar, encruzilhadas. O gênero é marcado pelo sentimento, pelo
sofrimento, pela agrura. Literalmente, o blues.
O social, contudo,
manteve-se sempre incólume, como disse Lightnin’ Hopkins, e essa realidade
quase indissociável com o blues está presente, mesmo que nas entrelinhas, em
Blue Note. Seja na tristeza de Jack Doyle, seja na ingenuidade talentosa de
R.J.
HQ é arte. E,
como arte, nos faz pensar.
Por Fábio Brod
Por Fábio Brod
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