O primeiro trabalho de Alceu Valença e Geraldo Azevedo é
uma pérola escondida da boa música brasileira que combina diversos estilos
nordestinos com rock psicodélico. Os arranjos - que seriam feitos por Hermeto
Pascoal - acabaram com o experiente maestro tropicalista Rogério Duprat, que
optou por utilizar o sistema quadrafônico na gravação. Esta era a coqueluche
daquele início de anos 1070 e nada mais era do que utilizar quatro
canais independentes de som vindos de quatro pontos diferentes da sala de gravação, ao invés dos tradicionais dois canais. A novidade chamava tanto a atenção do
público que o nome deste sistema ficou estampado na capa do disco em tamanho
exagerado, por isso que o disco é conhecido como Quadrafônico, mesmo este
não sendo seu título. De qualquer forma, o preço dos equipamentos para se
executar este álbum seria enorme e o projeto acabou não vingando.
Voltando ao disco, a gravação do material todo foi um perrengue daqueles. A dupla já vivia no Rio de Janeiro, mas a extinta gravadora Copacabana pediu para que eles fossem gravar em São Paulo. O problema era que as horas de estúdio eram muito poucas, mas Alceu e Geraldo queriam muito este álbum e a solução foi gravar escondidos, de madrugada.
"Me Dá Um Beijo" abre o LP com uma mescla de baião e rock, mostrando a diversidade, criatividade e talento da dupla que estaria presente em todas as canções. "Virgem Virgínia" é uma balada que conta com as famosas orquestrações de Duprat, que dão o toque tropicalista ao disco, enquanto "Mister Mistério" tranquiliza os ouvidos com um ritmo mais suave e descontraído. "Novena" surge com toda a classe e marca presença - de longe um dos pontos altos do álbum, que consegue viajar e levar os ouvintes para um ambiente de sertão e fé. O DNA do nordeste surge em todo seu esplendor em "Cordão do Rio Preto", que consegue mesclar frevo com psicodelia, tal qual a paranoica e frenética "Planetário", que possui uma letra absurdamente viciante sobre uma mulher que foi ao analista e ainda não voltou.
"Seis Horas" abre o lado B e se refere à vida moderna e ao comportamento artificial das pessoas reféns do cotidiano. "Erosão" tem os arranjos caóticos de Duprat e prepara o ouvinte para "78 Rotações", uma canção praticamente progressiva em que Alceu Valença se aproveita do entrosamento do baixo e piano com a percussão na medida certa para desfilar uma letra poética cheia de referências ao seu estado, Pernambuco. "Talismã" é uma canção acústica e bucólica que usa e abusa de dedilhados (uma característica deste disco) e de acordes mesclados com orquestrações. Uma das melhores do álbum, sem sombra de dúvida.
"Ciranda de Mãe Nina" e "Horrível" encerram o disco com
muitas referências ao nordeste nos arranjos e letras. Um desfile de
maracatu, frevo, repente, moda de viola e rock psicodélico. Quadrafônico
(apesar de não ser este o seu título) é um registro fantástico que passou batido
por muito tempo. Disco obrigatório para quem adora MPB e rock nacional daqueles
bem arretados.
Destaque do trabalho: "Planetário" tem diversos elementos que estão presentes nas demais canções, e ainda por cima dá vontade de sair chutando tudo. Fico com ela.
Por Aroldo Antonio Glomb Junior
Aroldo Antonio Glomb Junior tem 41 anos, é jornalista, Athleticano e fanático por boa música desde que completou seus 10 anos de idade. É o autor do projeto SOBRE O SOM DOS SETENTA, que reúne resenhas de diversos discos lançados durante os anos 1970, escrevendo desde clássicos da década até discos mais obscuros, independente do estilo.
Aroldo Antonio Glomb Junior tem 41 anos, é jornalista, Athleticano e fanático por boa música desde que completou seus 10 anos de idade. É o autor do projeto SOBRE O SOM DOS SETENTA, que reúne resenhas de diversos discos lançados durante os anos 1970, escrevendo desde clássicos da década até discos mais obscuros, independente do estilo.
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.