Décimo-terceiro álbum do Pink Floyd, A Momentary Lapse of
Reason marca o início da fase em que David Gilmour assumiu o controle criativo
total da lendária banda inglesa e é também o primeiro disco do grupo a não
contar com Roger Waters. Mas, antes de falarmos sobre o álbum é preciso
contextualizar tudo que envolveu o Pink Floyd na primeira metade dos anos 1980.
Ao longo dos anos, Roger Waters foi gradativamente
assumindo cada vez mais o protagonismo dentro do grupo. Isso se refletiu em um
controle sobre o direcionamento criativo da banda, levando a uma obra-prima
como The Wall (1979) – onde ele compôs praticamente todo o material, dividindo
a parceria com Gilmour em apenas três músicas: “Young Lust”, “Comfortably Numb”
e “Run Like Hell” – e a um trabalho não tão bem sucedido assim, o controverso
The Final Cut (1983). Controverso porque, na verdade, The Final Cut foi
concebido como um álbum solo de Waters, tanto que traz no encarte a frase “A requiem
for the post war dream by Roger Waters, performed by Pink Floyd”. O disco é
inspirado na história do pai de Waters, que lutou na Segunda Guerra Mundial, e
é dedicado a todos que perderam a vida no conflito. Na prática, o Pink Floyd
havia se transformado na banda de apoio de Roger Waters.
O conflito entre Waters e Gilmour então se intensificou e a banda entrou em uma pausa, com o baixista e o guitarrista lançando novos álbuns
solos. Em 5 de março de 1984 chegou às lojas o segundo disco de David Gilmour,
About Face, e em 30 de abril foi a vez de Roger Waters lançar The Pros and Cons
of Hitch Hiking. As turnês que promoveram ambos os discos tiveram baixa venda
de ingressos, e a gravadora da banda, a CBS, sugeriu que os músicos se reunissem
e gravassem um novo álbum do Pink Floyd, o que o baixista não aceitou. Em dezembro de 1985 Roger anunciou
oficialmente a sua saída da banda, que ele definiu como “uma força
criativamente já gasta”. A CBS se uniu então com Gilmour e Nick Mason e tentou
forçar Waters a gravar um novo trabalho com o grupo, ameaçando-o de processo se
ele não fizesse isso. Logicamente o baixista não aceitou a pressão, e então
foi confrontado por David: “Eu disse para Waters antes de ele sair: cara, se
você sair, nós vamos seguir em frente. Não faça nada sobre isso, porque nós
iremos continuar com a banda”. A resposta do baixista foi um categórico “você
nunca faria isso”. Paralelamente a todos esses fatos, Roger Waters também
dispensou os serviços do então manager do Pink Floyd, Steve O’Rourke, e assinou
um contrato com Peter Rudge, que passou a gerenciar a sua carreira. Isso foi visto
por Gilmour e Mason como um sinal de que eles estavam livres para seguir em
frente com o nome da banda.
Como a batalha pelos direitos de uso do nome Pink Floyd
foram parar em uma disputa legal, David Gilmour começou a trabalhar em músicas
que pretendia utilizar em seu terceiro disco solo. O produtor Bob Ezrin e o
tecladista Jon Carin ajudaram nesse processo, e “Learning to Fly” surgiu de uma
jam entre Gilmour e Carin. A CBS soube que o guitarrista estava trabalhando em
novas músicas junto com Ezrin e enviou o executivo Stephen Ralbovsky para
tentar convencer Gilmour a lançar o material não como um álbum solo, mas sim
como um novo disco do Pink Floyd. Ralbovsky se encontrou com Gilmour e Ezrin
em novembro de 1986 para ouvir as novas músicas e afirmou para ambos, sem
meias palavras, que “elas não parecem em nada com o Pink Floyd”. Mais tarde, o
próprio David Gilmour admitiu que o processo de composição foi especialmente
trabalhoso porque ele não conseguiu encontrar novos parceiros com quem tivesse
uma afinidade tão profunda quanto a que tinha com Waters.
A Momentary Lapse of Reason foi gravado em diversos
estúdios, sendo o principal o Astoria, estúdio que o guitarrista montou dentro
de um barco e utiliza até hoje. Os bateristas Jim Keltner e Carmine Appice
foram contratados, já que Nick Mason não se sentia à
vontade para gravar devido ao longo período que estava sem praticar o
instrumento. A bateria eletrônica também foi bastante utilizada no disco. O
tecladista Richard Wright, que havia deixado o Pink Floyd em 1979 devido a
desentendimentos com Waters, também participa do disco, além de uma seleção de
instrumentistas excepcionais onde se destaca o baixista Tony Levin, do King
Crimson.
As gravações foram interrompidas devido à intensa batalha
jurídica entre Waters e Gilmour pelo direito de uso do nome Pink Floyd.
Waters visitou duas vezes as sessões de gravação no Astoria, já que ainda era
acionista da Pink Floyd Music, e conseguiu bloquear os trabalhos. A banda então
foi para Los Angeles e retomou a gravação no A&M Studios. O longo conflito
entre David Gilmour e Roger Waters só foi enfim resolvido no final de 1987,
fora dos tribunais. O guitarrista ficou com o direito do nome Pink Floyd e o
baixista ficou com a propriedade de The Wall e do icônico porco da banda.
A Momentary Lapse of Reason foi lançado em 7 de setembro
de 1987, antes da conclusão da disputa entre os músicos, em uma jogada
arriscada da gravadora CBS. A capa foi criada por Storm Thorgerson, que possuía
longa associação com a banda e é o autor das capas icônicas de clássicos como
The Dark Side of the Moon (1973), Wish You Were Here (1975) e Animals (1977). A
imagem traz 700 camas de hospital dispostas em uma praia de Los Angeles, mesma locação das cenas de guerra presentes na adaptação cinematográfica de The Wall lançada em 1982 e dirigida por Alan Parker, e custou cerca de 500 mil dólares para ser produzida, transformando-se em uma das imagens mais icônicos da banda.
O disco traz onze músicas e possui uma produção bastante
carregada, com timbres típicos daquela metade da década de 1980. A sonoridade é
um tanto artificial, com o uso exagerado de teclados e baterias eletrônicas que
não contribuem para a percepção mais orgânica do material. Entre as faixas há
bons momentos como o single “Learning to Fly”, a climática “The Dogs of War”, a
balada “On the Turning Away” e “Sorrow”, que fecha o álbum. O excesso de
interlúdios e o trabalho de composição abaixo do que a banda sempre fez foram
percebidos pela crítica, que recebeu o LP com avaliações medianas. O
público, no entanto, estava sedento por material inédito do Pink Floyd e
conduziu A Momentary Lapse of Reason para o terceiro posto nos Estados Unidos e
na Inglaterra, com o disco vendendo mais de 5 milhões de cópias em todo o
planeta. Analisado com o distanciamento do tempo, A Momentary Lapse of Reason mostra-se bastante inferior ao que a banda faria sete anos depois em The Division
Bell (1994), já sem todo o contexto da briga com Waters e mais leves para criar algo
que sobrevivesse ao teste do tempo. Mesmo assim é um disco que reserva bons
momentos, como as faixas citadas acima.
A turnê gerou o duplo Delicate Sound of Thunder,
primeiro álbum totalmente ao vivo do Pink Floyd – Ummagumma, de 1969, possui
apenas um de seus dois LPs com gravações ao vivo. Lançado em 22 de novembro de 1988,
se tornou um sucesso de vendas e audição obrigatória nos toca-discos da época,
com uma performance primorosa de David Gilmour, Nick Mason, Richard Wright e
banda.
A Momentary Lapse of Reason foi remasterizado em 2011 e
incluído no box Discovery, além de poder ser adquirido separadamente. Com ele,
o Pink Floyd teve a sua terceira troca de comando. Os tempos sob o crivo de Syd
Barrett ficarem distantes, a epopéia criativa de Roger Waters transformou a
banda em uma lenda e a condução de David Gilmour manteve essa lenda viva e pulsante
para uma nova geração de ouvintes.
Pra mim o Pink Floyd acaba no The Walking.
ResponderExcluirAssino embaixo da matéria. Está muito bem escrita. O disco tem seu valor, mas o melhor ficou para depois: o Delicate Sound of Thunder e o grande Division Bell. É interessante que o próprio Nick Mason faz uma autocrítica na sua autobiografia Inside Out, se arrependendo de não ter tido pulso para assumir as baquetas.
ResponderExcluirPink Floyd acabou no The Wall.
ResponderExcluir'A momentary' é só um disco solo do Gilmour que no máximo mancha a discografia da banda pelo nível inferior das composições.