O ano era 1969 e,
talvez, tenha sido o ano mais marcante para o rock até hoje. Ou, no mínimo, é
um deles. O Led Zeppelin lançava o incrível Led Zeppelin I, David Bowie surgia
com Space Oddity embalando os corações com a ida do homem à lua (ou não), The
Who com a ópera rock Tommy, Rolling Stones com Let It Bleed e o ao vivo
Get Yer Ya-Ya's Out, além de Janis Joplin no seu primeiro disco solo I Got Dem Ol'
Kozmic Blues Again Mama, Pink Floyd com Ummagumma, Beatles com Abbey Road,
enfim. Isso sem mencionar a realização do festival mais famoso de todos os
tempos, o Woodstock Music and Air Festival, que ocorreu em agosto daquele ano.
Apesar de
lançamento de alguns dos mais aclamados discos do rock de todos os tempos, um
deles se destaca pela diferenciação e quebra de paradigmas entre gêneros da
música como um todo. Estou falando do Deep Purple com Concerto For Group and Orchestra.
Um concerto composto pelo extraordinário Jon Lord como uma combinação entre
rock and roll e música clássica e trazendo tais elementos como agregação ao hard rock que o Purple começava a fazer naquele início de carreira.
Gravado
originalmente em 24 de setembro e lançado em dezembro de 1969, o trabalho, além
de criar um elo de ligação entre gêneros musicais e mostrar toda a capacidade,
seja produtiva, experimental ou mesmo o conhecimento e a competência na
execução brilhantes de Lord, Ian Gillan, Ritchie Blackmore, Roger Glover e
Ian Paice, ainda foi capaz de pavimentar o caminho para que outras bandas
fizessem parcerias com a música clássica nas suas canções (quem não conhece o
S&M do Metallica de 1999 ou o Moment of Glory de 2000 do Scorpions, ou
talvez ainda o Journey to the Centre of the Earth de 1974 de Rick Wakeman? Até
mesmo no Brasil tivemos o Engenheiros do Hawaii em 1993 com Filmes de Guerra,
Canções de Amor.
O Purple vinha de
um disco recente auto intitulado lançado em junho do mesmo ano. Disco este que
já mostrava tanto um lado psicodélico e experimental quanto um lado progressivo
da banda. Em outras palavras: no início da carreira a banda passeava entre
gêneros graças às influências dos integrantes, principalmente Blackmore. E nesta
época, Jon Lord, que sempre foi um grande entusiasta de orquestras e músico
competentíssimo, já trabalhava na ideia de elevar a banda às camadas mais
profundas da música. Então, mergulhou de cabeça no projeto e compôs, em
parceria com Gillan nas letras, as peças fundamentais da obra.
O disco, lançado
sob o selo da falida Tetragrammaton Records, é um passeio pela criação de Lord e do Deep Purple, dividindo-se em duas partes, sendo uma com apenas o
Purple tocando e outra com a participação da orquestra. No vinil original de
1969 o disco trazia a banda tocando sozinha no lado A (com exceção da faixa
de abertura) e o acompanhamento da orquestra no lado B. Tem como regente o
maestro Malcolm Arnold, vencedor do Oscar de 1957 pela trilha do filme A Ponte do Rio Kwai, conduzindo a Royal Philharmonic Orchestra de Londres.
No setlist
original, o disco começa com uma obra de Malcolm Arnold, a belíssima "Symphony
n° 6, Op. 95", uma obra de mais de 25 minutos, mas que foi reduzida para 3:30
nos lançamentos seguintes. Nas versões atuais do disco se ouve uma narração
sobre o maestro Malcolm Arnold trabalhando com o Deep Purple, além de uma
pequena entrevista com o mesmo.
Logo em seguida o
Purple entra tocando um dos clássicos da sua carreira, a sensacional "Hush", originalmente de Joe South, mas que ficou excelente na versão do disco Shades of Deep Purple, de
1968. Aqui já se ouvem os órgãos de Jon Lord e toda sua maestria.E como não
lembrar também daquele “na nanana nanana nanana” de Ian Gillian?
Em seguida, o
blues acelerado de "Wring That Neck", originalmente lançada no The Book of Taliesyn,
segundo álbum do Purple, de 1968. São mais de 13 minutos de improviso com lindos
solos de Ritchie Blackmore e de Jon Lord, assim como toda a capacidade da
banda como um todo. Mas vale ressaltar o brilhantismo de Ian Paice na bateria,
pegada característica e marcante.
Finalizando o
lado A, talvez uma das melhores (se não for a melhor) música do Purple na
carreira, a extraordinária "Child in Time". Esta imponente obra foi lançada
oficialmente somente em 1970 no In Rock, porém fez parte do setlist do Concerto
For Group and Orchestra. Mais 12 minutos de beleza, da leveza inicial do órgão de Lord, dos gritos de desespero de Gillan, solos marcantes de Blackmore,
precisão de Ian Paice, segurança de Roger Glover. Uma bela versão ao vivo, um
grande registro.
É importante ressaltar no entanto que, apesar dessas canções
terem sido executadas no show, nas tiragens originais lançadas no ano de 1969 não
estavam contidas "Wring That Neck" e "Child in Time". Ou seja, o disco vinha com as
composições de Lord no lado B e no lado A apenas as obras de Malcolm Arnold e a
versão de "Hush". Tais músicas foram incluídas apenas a partir das
tiragens de 1990 em diante. Cá entre nós, melhor assim, né?
Partimos então
para o lado B, em que todo o arranjo foi composto por Jon Lord, onde a orquestra
e a banda se integram. Para começar, "First Movement: Moderato –Allegro", uma peça
instrumental que traz a tona um lado mais energético e poderoso da obra de
Lord. Usando das competências do Purple, principalmente dos solos de Blackmore,
esta primeira peça é capaz de te mostrar resumidamente o que é todo o disco.
Em seguida, "Second Movement – Andante". Esta peça remete a uma espécie de prisão vista na
energia da música anterior, porém procurando por liberdade, ansiando pela
redenção desejada. Na letra, Gillan escreveu “Como posso ver quando a luz se
esvai? / Como posso ouvir quando você fala tão silenciosamente? / Mais do que o
necessário nunca é demais / estenda a sua mão, eu estou tão triste".
Na terceira
faixa, "Third Movement: Vivace – Presto", o conflito final ou a efetiva
libertação. A faixa instrumental começa como um tsunami das cordas enquanto as
sopros e tambores sugerem o inevitável confronto do eu principal consigo mesmo.
A banda entra em seguida, a orquestra volta, a banda reassume, os violinos retornam
e Blackmore entra num solo espetacular conforme a banda vai assumindo o
protagonismo novamente. Mas calma que esse é só o começo da peca! O ponto alto
talvez fique com Ian Paice num solo de bateria alucinante. Esta é uma obra onde
o protagonismo passeia entre banda e orquestra, onde ambos disputam e dividem a
liderança. Uma obra das mais belas, dinâmicas, quase violentas, onde é possível
sentir a força tanto do Purple quanto da Royal Philharmonic Orchestra. O ápice
do disco.
Para terminar, o
bis: "Encore: Parts of the Concerto". Começando com um solo de bateria de Paice com
intermédio da orquestração. Cordas e sopros brutais, quase enlouquecidos. Tal
qual o Purple, que surge mostrando toda sua potência. No final, banda e
orquestra ovacionados, Jon Lord tendo seu devido e merecido reconhecimento e o
Deep Purple saindo muito maior do que entrou.
Depois deste
concerto foi realizado outro show com acompanhamento de orquestra, porém não
mais com a Royal Philharmonic Orchestra de Londres. O Purple tocou com a Los Angeles
Philharmonic Orchestra conduzida pelo maestro Lawrence Foster no Hollywood Bowl, em 25 de agosto de 1970. Após 30 anos, houve nova apresentação nos dias 25 e 26
de setembro de 1999 com diversos convidados como Ronnie James Dio, The Steve
Morse Band, a London Symphony Orchestra e outros. Foi conduzida por Marco de
Goeij, que reconstruiu a peça ouvindo o disco e assistindo ao DVD para que a
apresentação pudesse ser concretizada.
O álbum torna-se
maior ainda quando se percebe que foi idealizado, produzido e executado por uma
das bandas pertencentes à santíssima trindade do heavy metal e do hard rock. Mais do
que isso, quando se nota que este é de fato o primeiro disco ao vivo do
Deep Purple e capaz de trazer mudanças e elementos tão relevantes (mas que não
são tão diferentes assim né) para o rock e para a música de forma geral. Ao meu
ver, um disco que fica marcado na história como um dos grandes discos ao vivo
de todos os tempos.
Obrigado, Jon Lord! Obrigado, Deep Purple!
E há ainda há quem queira comparar o DP com bandas menores.
ResponderExcluirSão - ainda hoje compõem diamantes como "Birds of Prey", do "Infinite - brilhantes em tudo o que fazem. Tocaram e tocam de tudo. São relevantes e continuarão sendo . E que falta faz Jon Lord!
Me perdoem ao outras bandas, mas o Deep Purple é um fenômeno que nem tão cedo se repetirá. Um Jon Lord não se acha em qualquer esquina. Blackmore, idem. Cozinha com Glover - o cara toca cada dia melhor, como nos dois últimos discos - e Paice, ave Maria! Gillan é um capítulo à parte. Cinco espécimes raras.
Longa vida ao Purple!
Em tempo: ótimo texto, Tarsis.
No texto acima, exagerei nos"há ".
ResponderExcluirSorry.
Minha banda favorita desde 1974 quando ganhei o Made in Japan do meu saudoso pai.
ResponderExcluirO Collector's tinha que fazer uma matéria com as 3 melhores de cada álbum. Como foi feita, outro dia, com o Zeppelin