A linha que separa os "bons tempos" dos dias cruéis que correm é o momento em que passamos a saber demais sobre as coisas. Mais do que pedimos, mais do que conseguimos administrar. Não importa que a violência ou o sexo insólito sejam tanto quanto sempre foram. Se a gente não sabia, logo, não existia.
Em 1989 o planeta já sentia o cheiro da avalanche de
informação que nos soterraria na década de 1990 - já havia a acid house, o rock
ressuscitado pelos Smiths, o circuito indie, as raves, a renascença
psicodélica, as pistas de dança como contracultura, etc, pra ficar só na
música. Mas tudo parecia confortavelmente filtrado, ao alcance do nosso
interesse. Esse filtro chamava-se Stone Roses.
Formado em Manchester em 1985, os Roses nasceram da
parceria entre dois amigos de infância, o vocalista Ian Brown e o guitarrista
John Squire. Ancorada nas letras insolentes, nos vocais sussurrados e na sede
experimental do primeiro e na introspecção virtuosa do segundo, a banda cruzou
dez anos de carreira partindo do guitar rock tradicional para um banquete no
qual tanto Oasis e o britpop quanto Primal Scream e o rock eletrônico se
fartaram.
Depois de alguns obscuros trabalhos independentes, a
banda foi contratada pelo selo Silvertone em 1988. A estreia na nova casa,
"Elephant Stone", foi produzida pelo baixista do New Order, Peter
Hook, e colocou a girar todo aquele caleidoscópio conceitual: batidas
dançantes, guitarras espertas, melodias grudentas e um clima de onirismo
streetwear. A capa do single, pintada por John Squire inspirado em Jackson
Pollock, era outra marca registrada lançada ali.
Seguiram-se shows por toda a Inglaterra, muitos ao ar
livre, outros em casas como o Hacienda ao lado de DJs como Paul Oakenfold, que
vincularam definitivamente o grupo à nascente cultura raver. A cinzenta
Manchester virou a colorida Madchester ao som de Roses, Happy
Mondays e Inspiral Carpets. A mitologia se formava antes mesmo do primeiro
álbum.
Produzido pelo veterano John Leckie (All Things Must Pass, Dark Side of the Moon), The Stone Roses foi gravado em menos de uma semana. Alternando grooves suculentos ("She Bangs the Drum"), hipnotismos juvenis ("I Wanna Be Adored', "Waterfall"), melodias flutuantes ("Shoot You Down") e talento para o pop perfeito ("Made of Stone"), o grupo recombinou cacos de toda a boa música pop produzida entre os anos 1960 e 1980 (Beatles, Sly Stone, Smiths, Byrds, New Order) em um produto fresco, novidadeiro, que reverberava pelas roupas que usavam, por seus cortes de cabelo, sua postura, os instrumentos e as capas com pinturas pollockianas.
A edição brasileira de The Stone Roses, se perde um
pouco de sua perfeição capsular, por outro lado ganha em valor histórico,
incluindo as duas faixas bônus que ajudam a entender a importância da banda
para os anos 1990: a já clássica "Elephant Stone" e o single de
novembro de 1989, "Fools Gold', com seus 9 minutos de pescaria entre Can,
808 State, James Brown e Hendrix. "Fools Gold" foi o auge criativo e
comercial da banda e o ápice da "boa tensão" entre o tradicionalismo
roqueiro de Squire e a inconsequência sideral de Brown.
Uma banda cuja força criativa reside na atração dos
opostos (Lennon e McCartney, Gilmour e Waters) ou domina o mundo ou se
esfacela. Os Stone Roses se perderam entre um confuso segundo álbum (Second
Coming, gravado nas brechas de uma milionária disputa judicial entre a
Silvertone e a Geffen), drogas pesadas, ciúme e, finalmente, a saída de John
Squire em 1996, ironicamente o ano do britpop.
Ficou nas mãos de seus próprios fãs a missão de dominar o
mundo.
Texto escrito por Ricardo Alexandre e publicado na Bizz #200,
de abril de 2006
Excelente matéria! Este primeiro disco do Stone Roses realmente é muito bom e influenciou muita gente. Até mesmo no estilo de roupas, cortes de cabelo, comportamentos, enfim. Grande banda! E grande John Squire! haha
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