Discoteca Básica Bizz #201: Simon and Garfunkel - Bridge Over Troubled Water (1970)



Apenas o costumeiro senso de humor do tempo pode explicar como um trabalho urdido em clima de tensão e confronto encontrou seu destino como um louvor à concórdia e à harmonia. E tão poderoso foi esse louvor, tão exato para os tempos fraturados de então, que Bridge Over Troubled Water tornou-se o maior sucesso comercial de Paul Simon como compositor e de Simon e Art Garfunkel como intérpretes. O maior e o último.

Criado ao longo de dois anos - ou 800 horas, pelas contas de Simon -, nos intervalos entre apresentações na TV, shows e as filmagens de Ardil 22 (1970), estreia de Garfunkel como ator, o disco representa várias encruzilhadas pessoais e artísticas para a dupla. Quinto álbum da carreira, vinha imediatamente depois daquele que, até o momento, era sua obra-prima, à medida que estabelecia o padrão de excelência do novo folk: Bookends, de 1968.

Com o estilo momentaneamente exaurido e dinamitado por Bob Dylan, Simon, especialmente, sentia necessidade de buscar novos idiomas e horizontes. Garfunkel, o tenor perfeito que encarnava a metade etérea da dupla, havia encontrado no cinema a saída para essa inquietação.

Simon começou sua jornada recuperando seus próprios passos, do doo-wop da adolescência ("Bye Bye Love", dos Everly Brothers) e indo em qualquer direção, permitindo-se criar um reggae bem-humorado composto por acaso ("Cecilia"), letrar uma canção instrumental ouvida num álbum do peruano Los Incas ("El Condor Pasa") e fazer arranjos complexos como o de "The Boxer", cinco minutos de narrativa misteriosa que, no fim das contas, volta ao começo - ao próprio Simon.

No meio do caminho, e após uma longa pausa, quase como um P.S., estão os dois momentos mais íntimos e confessionais do disco: "The Only Living Boy in New York" (que Simon sempre disse ser sua faixa favorita) e "Song for the Asking", que soa cada vez mais, a cada ouvida, como um adeus.


O abre-alas e o coração do álbum, contudo, é sua faixa-título. Inspirada no trabalho do Reverendo Claude Jeter e seu coral gospel Swan Silvertones - cujo hino "Oh Mary Don't You Weep For Me" tinha o verso "serei sua ponte sobre as águas profundas se confiares em mim", "Bridge Over Troubled Water" foi composta de uma assentada só quando Paul e Art passavam férias de verão com suas famílias em Los Angeles, numa casa alugada no mesmo Blue Jay Way que George Harrison havia cantado.

Simon queria gravá-la sozinho, mas o tom era impossivelmente alto para sua voz. Com alguma relutância, Simon e o arranjador Larry Knechtel refizeram a partitura para Art Garfunkel, que sugeriu a inclusão de um terceiro verso para dar à canção "a imponência de um hino profano". Com o terceiro verso – "sail on silver girl" -, um arranjo épico e místico e a voz de Garfunkel atingindo alturas insuspeitadas ("Fiquei espantado com a coragem dele aventurar-se assim com sua garganta", Simon contaria à Rolling Stone muitos anos depois), o single com "Bridge Over Troubled Water" tornou-se um dos maiores sucessos de 1970, ganhando o Disco de Ouro e empurrando o álbum por caminho idêntico.

Os tempos eram, de fato, profundas águas revoltas, a euforia dos 1960 se esvaindo numa ressaca cósmica, a guerra do Vietnã em ritmo de escalada, certezas derrubadas sem o conforto imediato de novas possibilidades. Garfunkel soava exatamente como um anjo terreno, oferecendo a solidez precária, mas doce, de uma canção.

Texto escrito por Ana Maria Bahiana e publicado na Bizz #201, de maio de 2006


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