O mercado de mangás é repleto de obras ficcionais, heróicas e fantasiosas. Quando nos deparamos com obras com aspectos reais como O Homem que Passeia (JiroTanigushi), Marcha para a Morte (Shigeku Mizuki), Ayako (Osamu Tezuka) e Virgem Depois dos 30 (Atsuhiko Nakamura), entre outros, abrimos um leque para momentos de auto identificação e existencialismo. Obras como estas mostram o melhor e o pior lado da vida humana, de ações que escolhemos e suas consequências.
Boa Noite Punpun é um mangá ficcional com cenários,
pessoas, ações e consequências reais. Nesta história acompanhamos boa parte da
vida de Punpun Onodera, partindo da sua infância, passando pela puberdade e chegando
à sua fase adulta. Vemos o seu primeiro amor, seu primeiro beijo, suas
primeiras crises depressivas e frustrações. Os problemas familiares com um pai
abusivo e uma mãe autoritária dão abertura para seu tio, Yuichi, adentrar na
história e gerar uma das melhores sub-tramas do mangá.
Em meio a este caos pessoal, há seus amigos que lhe
querem bem mas não entendem seus problemas pessoais a ponto de ajudá-lo, isto
tudo englobado em uma trama que insere questões sociais e psicológicas de um
indivíduo em meio a um contexto coletivo, mexendo e conversando muito com o
leitor já no primeiro capítulo.
Inicialmente, Asano constrói e apresenta boa parte dos cenários e personagens que estarão presentes nesta primeira parte da história. Após este breve começo, o leitor já tem conhecimento do ambiente no qual foi introduzido e sua curiosidade com relação à complexidade da trama sobre uma criança cresce à medida que passa a querer entender mais sobre cada situação e cenário que a circunda.
Ao longo de toda a obra o autor contraria vários pontos
da narrativa convencional, dando formas físicas diferentes ao personagem
conforme sua correlação social vai sendo moldada junto da sua identidade
psicológica. Punpun, assim como sua família, são retratados na forma de um de
um “pássaro”, salvo alguns momentos em que o autor retrata o personagem principal
com corpo de pessoa, porém inserindo no lugar da cabeça formas estranhas e
escuras, dando ao leitor uma forma de imaginar o estado de espírito do
personagem naquele momento.
Uma das peculiaridades mais curiosas da obra é Onodera
não ter falas próprias, e quando há algum diálogo partindo dele o quadro na
página é negro e sua fala entre aspas, ou a mesma acaba partindo de uma
terceira pessoa que comenta de uma forma legível o que possivelmente Punpun
teria dito. Seus pensamentos muitas vezes preenchem os entre quadros, colocando
o leitor dentro da sua mente e fazendo-o perceber o quão complexa é a cabeça de
uma pessoa que sofre de problemas psicológicos.
Por não ter corpo humano, Punpun não possui expressões
que possam mostrar como é seu rosto e esta é sem dúvida a maior forma de
aproximar leitor e personagem dentro do contexto da história, que em diversos
pontos deixa claro que nem ele próprio se reconhece. É preciso estar ciente que
a obra está aberta a milhares de interpretações. Difícil haver leitores que em
uma primeira leitura acabam tendo uma mesma impressão sobre personagens e
tramas.
Ao final cada edição o autor dá um salto de um a dois anos na história. Durante a infância e a puberdade de Punpun o mangá tem uma sintonia mais leve e compreensível. O tom da obra muda quando ele entra na fase adulta, onde a leitura acaba ficando mais pesada e sufocante em diversos pontos. Casos como abuso psicológico e sexual, mortes, trabalho, responsabilidades, namoros, entre outros, são pontos-chaves que deixam o leitor mais ciente do rumo que a obra tomou assim que começa o arco final. Em diversos momentos a trama ganha peso e sequências mais aceleradas. Em alguns pontos, fora da mente e do ambiente de Punpun, as sub-tramas acabam obtendo espaço, dando um final para cada personagem apresentado e representando no geral como uma sociedade se desenvolve entre seus indivíduos. Vale ressaltar que, neste momento em específico, a arte de Asano, além de ser expressiva e muito detalhada, ganha magicamente uma beleza estonteante com cenários em CG, misturando o real e o imaginário. Sua narrativa é impecável, com algumas sequências de quadro a quadro que dão a impressão de estar se vendo uma cena em slow motion.
Infelizmente, Boa Noite Punpun é uma obra para poucos, mas
que deveria ser lida por todos. Por retratar quadros como suicídio, depressão e
crises existenciais e, em determinado momento, bullying, passa a ser uma obra
não recomendada para pessoas que sofrem destes problemas psicológicos. É até mesmo
um insulto falarmos superficialmente de uma obra tão complexa que mexe tanto
com quem a lê. Todos os assuntos envolvendo família, amores, religião,
complexidade e a busca pelo sentido da vida são tratados de forma orgânica e
educada, o que de certa forma deveria ser tratado como um estudo em certos
casos.
Acompanhar a trajetória de Onodera e demais personagens nos faz entender a importância que cada escolha tem em nossas vidas e na pequena parte social que as envolvem, e o que suas causas e consequências podem nos trazer a curto ou longo prazo.
Este mangá já foi publicado no Japão e nos Estados Unidos
em 13 volumes, mas aqui no Brasil a obra foi lançada em 7 volumes formato big
pela Editora JBC,neste ano de 2019.
Por Pablo Peixoto
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