Baker já era a maior revelação do trompete jazzista
quando saiu Chet Baker Sings. Nem por isso a crítica foi condescendente:
malhou com gosto aquela sua maneira surpreendentemente frágil de interpretar
canções sagradas do American Songbook como "But Not for Me"
ou "My Funny Valentine". Afinal, o padrão de cantor americano era
solidamente calcado na voz máscula de Frank Sinatra ou do mais-que-viril
barítono Billy Eckstine, e procedente de um jazz em que o grande intérprete
continuava sendo Louis Armstrong com seus scats roufenhos.
Como admitir aquele fio de voz, tímida, que mais parecia
a de uma moça cantando? Considerada afrescalhada, a voz de Chet Baker encantou
o universo gay dos EUA. E quem melhor soube explicar o novo conceito de sua interpretação
não foram os críticos - foi a também cantora Ruth Young, sua namorada por dez
anos: "Quando Chet cantava, as palavras para ele eram notas musicais".
Nem sua carreira de trompetista (que, em menos de um ano,
atropelara os maiores músicos da época) nem sua vida trepidante (de
envolvimento com fãs que se derretiam pelo lindo rosto retangular de galã de
cinema em velozes Cadillac rabo-de-peixe) estavam refletidas na capa do LP de
10 polegadas da Pacific Jazz, a etiqueta por excelência do jazz da costa oeste.
Na foto, clicada pelo jovem William Claxton, Baker vestia uma simples camiseta
branca e estava cantando de boca semi-aberta diante do microfone. A
nebulosidade da imagem tinha tudo a ver com o vocal esmaecido e sofisticado de
Chet Baker, que deixava no ar uma ambiguidade sexual - o máximo que muita gente
foi capaz de compreender daquele LP.
Baker cantava como se estivesse tocando: delicadamente,
sem alongar as notas. Como o som de seu trompete, em que evitava os agudos, sua
voz não tinha potência, era seca, mas enfatizava magicamente o lirismo de uma
canção. Sua interpretação era econômica, lisa, atacava e percorria cada nota
com emoção controlada, sem um pingo de trinado. Senza vibrato - era a
essência do cool jazz.
Da mesma forma, quando o inegável precursor do cool jazz,
Lester Young, surgiu na big band de Count Basie nos anos 1930, o padrão de
saxofone era o som bojudo de Coleman Hawkins. Young, por causa de seu som
gentil, foi taxado de afeminado, outra sina do cool jazz. Contudo, mesmo quando
mal aceitos, Young, Miles e Baker deixaram um marco no jazz e na música
americana. A proclamada frieza de suas interpretações propôs uma nova estética.
Dois anos depois, em julho de 1956, Chet Baker voltou ao
estúdio com o mesmo pianista Russ Freeman para gravar mais seis canções, que
seriam anexadas às oito de 1954 para completar um vinil de 12 polegadas com o
mesmo título.
Dificilmente em outro país que não o Brasil, Chet
Baker Sings teria tido consequências tão revolucionárias. Os garotos
cariocas que ansiavam pela modernidade na música brasileira ouviam-no como num
culto. O baiano João Gilberto, que cantava como seu ídolo Orlando Silva,
percebeu que a nova estética era o que ele buscava. Nada do que Elizeth Cardoso
cantou em "Chega de Saudade", com ele ao violão. Em 1958, ao chegar
sua vez de gravar a música, o canto era outro. João cantava seco, sem alongar as
notas, enfatizava o lirismo. Sua interpretação era lisa, econômica, sem
vibrato. Foi, adivinhe, tachado de afeminado. E, assim, nasceu a bossa nova.
Texto escrito por Zuza Homem de Mello e publicado na Bizz
#202, de junho de 2006
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