Discoteca Básica Bizz #202: Chet Baker - Chet Baker Sings (1954)



Baker já era a maior revelação do trompete jazzista quando saiu Chet Baker Sings. Nem por isso a crítica foi condescendente: malhou com gosto aquela sua maneira surpreendentemente frágil de interpretar canções sagradas do American Songbook como "But Not for Me" ou "My Funny Valentine". Afinal, o padrão de cantor americano era solidamente calcado na voz máscula de Frank Sinatra ou do mais-que-viril barítono Billy Eckstine, e procedente de um jazz em que o grande intérprete continuava sendo Louis Armstrong com seus scats roufenhos.

Como admitir aquele fio de voz, tímida, que mais parecia a de uma moça cantando? Considerada afrescalhada, a voz de Chet Baker encantou o universo gay dos EUA. E quem melhor soube explicar o novo conceito de sua interpretação não foram os críticos - foi a também cantora Ruth Young, sua namorada por dez anos: "Quando Chet cantava, as palavras para ele eram notas musicais".

Nem sua carreira de trompetista (que, em menos de um ano, atropelara os maiores músicos da época) nem sua vida trepidante (de envolvimento com fãs que se derretiam pelo lindo rosto retangular de galã de cinema em velozes Cadillac rabo-de-peixe) estavam refletidas na capa do LP de 10 polegadas da Pacific Jazz, a etiqueta por excelência do jazz da costa oeste. Na foto, clicada pelo jovem William Claxton, Baker vestia uma simples camiseta branca e estava cantando de boca semi-aberta diante do microfone. A nebulosidade da imagem tinha tudo a ver com o vocal esmaecido e sofisticado de Chet Baker, que deixava no ar uma ambiguidade sexual - o máximo que muita gente foi capaz de compreender daquele LP.


Baker cantava como se estivesse tocando: delicadamente, sem alongar as notas. Como o som de seu trompete, em que evitava os agudos, sua voz não tinha potência, era seca, mas enfatizava magicamente o lirismo de uma canção. Sua interpretação era econômica, lisa, atacava e percorria cada nota com emoção controlada, sem um pingo de trinado. Senza vibrato - era a essência do cool jazz.

Da mesma forma, quando o inegável precursor do cool jazz, Lester Young, surgiu na big band de Count Basie nos anos 1930, o padrão de saxofone era o som bojudo de Coleman Hawkins. Young, por causa de seu som gentil, foi taxado de afeminado, outra sina do cool jazz. Contudo, mesmo quando mal aceitos, Young, Miles e Baker deixaram um marco no jazz e na música americana. A proclamada frieza de suas interpretações propôs uma nova estética.

Dois anos depois, em julho de 1956, Chet Baker voltou ao estúdio com o mesmo pianista Russ Freeman para gravar mais seis canções, que seriam anexadas às oito de 1954 para completar um vinil de 12 polegadas com o mesmo título.

Dificilmente em outro país que não o Brasil, Chet Baker Sings teria tido consequências tão revolucionárias. Os garotos cariocas que ansiavam pela modernidade na música brasileira ouviam-no como num culto. O baiano João Gilberto, que cantava como seu ídolo Orlando Silva, percebeu que a nova estética era o que ele buscava. Nada do que Elizeth Cardoso cantou em "Chega de Saudade", com ele ao violão. Em 1958, ao chegar sua vez de gravar a música, o canto era outro. João cantava seco, sem alongar as notas, enfatizava o lirismo. Sua interpretação era lisa, econômica, sem vibrato. Foi, adivinhe, tachado de afeminado. E, assim, nasceu a bossa nova.

Texto escrito por Zuza Homem de Mello e publicado na Bizz #202, de junho de 2006

Comentários