O rap achava que não precisava disso. O rock também. O
início dos anos 1990 assistia à formação de dois impérios que dominariam o pop
dali por diante. Nevermind (1991) devolvia às guitarras a relevância
perdida e atentava a possibilidade de o rock alternativo virar o jogo. Um ano
depois, e do outro lado da ponte, The Chronic revelava o poder de
sedução que a vida bandida de Dr. Dre exercia sobre a classe média americana, e
o rap conseguia o que precisava para ganhar respeito - ou seja, ganhar muito
dinheiro. Você também podia pensar que não precisava de Check Your Head,
mas os Beastie Boys insistiram em criar uma terceira via.
O trio vinha de uma situação complicada. O
ambicioso Paul's Boutique (1989) falhara em repetir o impacto
de Licensed to Ill (1986), o bardo machista e cervejeiro que foi acusado de
clonar o hip hop, mas vendeu horrores. O trabalho meticuloso de mixagem do
disco, a cargo dos Dust Brothers, confundiu quem esperava batidões e riffs
metálicos. A crítica também não deu bola para o álbum, que seria cultuado por
poucos ao longo dos anos até ter reconhecido sua importância. Naquele momento
restava a Ad-Rock, MCA e Mike D a dura missão de partir do zero, a começar pela
criação de seu próprio selo, o Grand Royal, o que daria liberdade de criação e
seria o primeiro passo no extreme makeover de um trio de fanfarrões
em ícones do cool.
Como boas ovelhas brancas do rap que eram, eles decidiram
forçar ainda mais a diferença e aproveitaram o background de banda de hardcore
para voltar aos instrumentos básicos do rock. Mas a intenção não era retomar a
fúria do início da carreira - à exceção de "Time for Livin'", link
quase palpável com o punk e o skate. Em suas andanças por lojas de vinis raros
e fora de catálogo, os ex-garotos idiotas foram coletando discos espertos de
jazz, latin soul, boogaloo, funk e groove dos mais diversos. No estúdio eles
agregaram o tecladista Mark Ramos Nishita, mais conhecido como Money Mark. O
japonês mais chicano do pedaço refogou o balanço do trio com um molho picante
vintage vindo de seus Hammonds e Wurlitzers.
Contudo, a chave da empreitada estava do lado de lá, na
mesa de gravação. Depois de Rick Rubin e os Dust Brothers, os Beastie Boys
escolheram o brasileiro Mario Caldato Jr. para a missão de captar a energia de
uma jam session e envolvê-la com texturas via samplers e colagens. "Esta é
a primeira canção do nosso novo álbum", anuncia Mike D na introdução de
"Jimmy James". Não é apenas formalismo ou tique de MC. Naquele
momento, era necessário anunciar a transformação de um trio de rap caricato num
símbolo de novas tendências sonoras. A faixa se baseia num sampler de baixo
tocado por Hendrix ("Happy Birthday", também usado pelo DeFalla no
mesmo ano, mas isso é outra história). A estrutura, apesar de complexa, ainda
era familiar ao universo do hip hop, mas servia para ambientar o ouvinte para o
que viria em seguida: a guitarra malaca de "Funky Boss", os scratches
sincronizados à bateria com eco (e acústica) de "Pass the Mie" e o
espetacular baixo com fuzz de "Gratitude".
E o que dizer das instrumentais (num grupo de rap! Rap?)
"Pow", "In 3's" e "Groove Holmes"? Mesmo"So
What'cha Want", que foi bem nas paradas de rap, tinha algo de psicodélico
que cheirava à novidade. As referências de rap da velha guarda, funk
setentista, jazz dançante da Blue Note e rock alternativo alcançariam a
perfeição e o gosto popular depois com "Sabotage", megahit de Ill
Communication (1994), que fez os Beastie Boys se tornarem um dos favoritos
das programações das college radios americanas. Mas sem Check
Your Head o apreço indie não seria possível.
Texto escrito por Luciano Marsiglia e publicado na Bizz #207,
de novembro de 2006
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