Discoteca Básica Bizz #207: Beastie Boys - Check Your Head (1992)



O rap achava que não precisava disso. O rock também. O início dos anos 1990 assistia à formação de dois impérios que dominariam o pop dali por diante. Nevermind (1991) devolvia às guitarras a relevância perdida e atentava a possibilidade de o rock alternativo virar o jogo. Um ano depois, e do outro lado da ponte, The Chronic revelava o poder de sedução que a vida bandida de Dr. Dre exercia sobre a classe média americana, e o rap conseguia o que precisava para ganhar respeito - ou seja, ganhar muito dinheiro. Você também podia pensar que não precisava de Check Your Head, mas os Beastie Boys insistiram em criar uma terceira via.

O trio vinha de uma situação complicada. O ambicioso Paul's Boutique (1989) falhara em repetir o impacto de Licensed to Ill (1986), o bardo machista e cervejeiro que foi acusado de clonar o hip hop, mas vendeu horrores. O trabalho meticuloso de mixagem do disco, a cargo dos Dust Brothers, confundiu quem esperava batidões e riffs metálicos. A crítica também não deu bola para o álbum, que seria cultuado por poucos ao longo dos anos até ter reconhecido sua importância. Naquele momento restava a Ad-Rock, MCA e Mike D a dura missão de partir do zero, a começar pela criação de seu próprio selo, o Grand Royal, o que daria liberdade de criação e seria o primeiro passo no extreme makeover de um trio de fanfarrões em ícones do cool.

Como boas ovelhas brancas do rap que eram, eles decidiram forçar ainda mais a diferença e aproveitaram o background de banda de hardcore para voltar aos instrumentos básicos do rock. Mas a intenção não era retomar a fúria do início da carreira - à exceção de "Time for Livin'", link quase palpável com o punk e o skate. Em suas andanças por lojas de vinis raros e fora de catálogo, os ex-garotos idiotas foram coletando discos espertos de jazz, latin soul, boogaloo, funk e groove dos mais diversos. No estúdio eles agregaram o tecladista Mark Ramos Nishita, mais conhecido como Money Mark. O japonês mais chicano do pedaço refogou o balanço do trio com um molho picante vintage vindo de seus Hammonds e Wurlitzers.


Contudo, a chave da empreitada estava do lado de lá, na mesa de gravação. Depois de Rick Rubin e os Dust Brothers, os Beastie Boys escolheram o brasileiro Mario Caldato Jr. para a missão de captar a energia de uma jam session e envolvê-la com texturas via samplers e colagens. "Esta é a primeira canção do nosso novo álbum", anuncia Mike D na introdução de "Jimmy James". Não é apenas formalismo ou tique de MC. Naquele momento, era necessário anunciar a transformação de um trio de rap caricato num símbolo de novas tendências sonoras. A faixa se baseia num sampler de baixo tocado por Hendrix ("Happy Birthday", também usado pelo DeFalla no mesmo ano, mas isso é outra história). A estrutura, apesar de complexa, ainda era familiar ao universo do hip hop, mas servia para ambientar o ouvinte para o que viria em seguida: a guitarra malaca de "Funky Boss", os scratches sincronizados à bateria com eco (e acústica) de "Pass the Mie" e o espetacular baixo com fuzz de "Gratitude".

E o que dizer das instrumentais (num grupo de rap! Rap?) "Pow", "In 3's" e "Groove Holmes"? Mesmo"So What'cha Want", que foi bem nas paradas de rap, tinha algo de psicodélico que cheirava à novidade. As referências de rap da velha guarda, funk setentista, jazz dançante da Blue Note e rock alternativo alcançariam a perfeição e o gosto popular depois com "Sabotage", megahit de Ill Communication (1994), que fez os Beastie Boys se tornarem um dos favoritos das programações das college radios americanas. Mas sem Check Your Head o apreço indie não seria possível.

Texto escrito por Luciano Marsiglia e publicado na Bizz #207, de novembro de 2006


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