Discoteca Básica Bizz #208: Ultraje a Rigor - Nós Vamos Invadir Sua Praia (1985)



O carrinho da frente provoca: "Meus dois pais me tratam muito bem". O segundo responde: "O que é que você tem / Que não fala com ninguém". Em questão de segundos, todos os vagões estão cantando "Rebelde sem Causa", do Ultraje a Rigor. Naquele momento, o recém lançado Nós Vamos Invadir Ssua Praia era apenas a trilha sonora oficial das férias de julho de 1985. Mas com recordações - e impacto - muito mais duradouras que as guinadas da montanha-russa do Tivoli Park (RJ). Lá vem o looping: "Ma-ma-ma ma-ma-ma- má / Pa-pa-pa pa-pa-pa-pá".

A banda paulistana perseguia o sucesso desde 1983, quando teve seu compacto lançado pela WEA. "Inútil" (com "Mim Quer Tocar" no lado B) virou o hino da campanha pelas Diretas Já. Apesar de Ulysses Guimarães citar nos palanques que "a gente não sabemos escolher presidente", a música não tocou no rádio nem na TV. Com 30 mil cópias vendidas, o disquinho não representava exatamente um troféu para a inflada indústria fonográfica da época. Em setembro de 1984 o Ultraje A Rigor tentou novamente com "Eu Me Amo" / "Rebelde sem Causa", já com a sua escalação clássica: Roger (guitarra e vocais), Leospa (bateria), Maurício (baixo) e, no lugar de Edgard Scandurra, Carlinhos (guitarra). A semelhança com "Egotrip", o hit da hora da Blitz (que mudou sua letra para "eu te amo"), rendeu mais exposição ao lado A, porém nada que mudasse uma carreira. O grupo estava na angustiante situação de ser comentado, lotar cada vez mais shows e não acontecer comercialmente.

Restava à gravadora acreditar no seu potencial. O coro de 100 mil pessoas acompanhando "Inútil", executada pelo Paralamas do Sucesso no Rock in Rio, reforçou a crença de que valia a pena apostar. Em abril de 1985 a banda entrou no estúdio Nas Nuvens para gravar seu primeiro LP. Nunca 28 diárias de quatro marmanjos no Hotel Sol, em Copacabana, deram tanto retorno. O Ultraje a Rigor sempre ameaçava estourar. Quando estourou, foi um estrondo tão grande que superou todas as expectativas.


Dessa vez não tinha como não funcionar. Sete canções haviam sido escolhidas em eleição promovida na danceteria Rádio Clube, sendo quatro já lançadas em single. Ou seja: Nós Vamos Invadir Sua Praia invadiu as lojas com cara de Best Of e apresentou desempenho correspondente a partir do instante em que "Ciúme" bateu nas rádios. De repente, um país inteiro queria levar uma vida moderninha.

O Ultraje a Rigor não era pop como a Blitz, roqueiro como o Barão Vermelho, inteligente como os Titãs, intenso como a Legião Urbana, balançante como o Paralamas do Sucesso, requintado como o RPM - era tudo isso de um jeito mais simples, a ponto de sua característica mais celebrada ser o humor. A graça não ofuscava a música: você prestava atenção no que Roger estava falando, identificava-se e/ou sorria e sentia vontade de escutar sem parar.

Os sucessos se empilhavam. Rearranjados, os compactos transformaram-se nas mais pedidas. A faixa título, com "apoio" de Lobão, Ritchie, Leo Jaime e do miquinho selvagem Big Abreu, tornou-se bordão popular. Até "Marylou", censurada devido ao seu didatismo em explicar por onde a galinha bota ovo, ganhava espaço conforme o grau etílico do freguês. Em um ano, o disco venderia mais de 500 mil cópias.

A gurizada, que naquele domingo ria de cabeça para baixo, jamais imaginaria que estava testemunhando o nascimento de uma obra-prima. O lance era aproveitar os últimos dias livres antes de as aulas recomeçarem, em agosto. O Tivoli Park não existe mais. O Ultraje a Rigor resiste, somente com Roger da formação original.

E um daqueles moleques, sem ganhar guitarra da mãe nem carro do pai, assina hoje estas maltecladas.

Texto escrito por Emerson Gasperin e publicado na Bizz #208, de dezembro de 2006.


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