O carrinho da frente provoca: "Meus dois pais me
tratam muito bem". O segundo responde: "O que é que você tem / Que
não fala com ninguém". Em questão de segundos, todos os vagões estão
cantando "Rebelde sem Causa", do Ultraje a Rigor. Naquele momento, o
recém lançado Nós Vamos Invadir Ssua Praia era apenas a trilha sonora
oficial das férias de julho de 1985. Mas com recordações - e impacto - muito
mais duradouras que as guinadas da montanha-russa do Tivoli Park (RJ). Lá vem o
looping: "Ma-ma-ma ma-ma-ma- má / Pa-pa-pa pa-pa-pa-pá".
A banda paulistana perseguia o sucesso desde 1983, quando
teve seu compacto lançado pela WEA. "Inútil" (com "Mim Quer
Tocar" no lado B) virou o hino da campanha pelas Diretas Já. Apesar de
Ulysses Guimarães citar nos palanques que "a gente não sabemos escolher
presidente", a música não tocou no rádio nem na TV. Com 30 mil cópias
vendidas, o disquinho não representava exatamente um troféu para a inflada
indústria fonográfica da época. Em setembro de 1984 o Ultraje A Rigor tentou novamente
com "Eu Me Amo" / "Rebelde sem Causa", já com a sua
escalação clássica: Roger (guitarra e vocais), Leospa (bateria), Maurício
(baixo) e, no lugar de Edgard Scandurra, Carlinhos (guitarra). A semelhança com
"Egotrip", o hit da hora da Blitz (que mudou sua letra para "eu
te amo"), rendeu mais exposição ao lado A, porém nada que mudasse uma
carreira. O grupo estava na angustiante situação de ser comentado, lotar cada
vez mais shows e não acontecer comercialmente.
Restava à gravadora acreditar no seu potencial. O coro de
100 mil pessoas acompanhando "Inútil", executada pelo Paralamas do
Sucesso no Rock in Rio, reforçou a crença de que valia a pena apostar. Em
abril de 1985 a banda entrou no estúdio Nas Nuvens para gravar seu primeiro LP.
Nunca 28 diárias de quatro marmanjos no Hotel Sol, em Copacabana, deram tanto
retorno. O Ultraje a Rigor sempre ameaçava estourar. Quando estourou, foi um
estrondo tão grande que superou todas as expectativas.
O Ultraje a Rigor não era pop como a Blitz, roqueiro como
o Barão Vermelho, inteligente como os Titãs, intenso como a Legião Urbana,
balançante como o Paralamas do Sucesso, requintado como o RPM - era tudo isso
de um jeito mais simples, a ponto de sua característica mais celebrada ser o
humor. A graça não ofuscava a música: você prestava atenção no que Roger estava
falando, identificava-se e/ou sorria e sentia vontade de escutar sem parar.
Os sucessos se empilhavam. Rearranjados, os compactos transformaram-se nas mais pedidas. A faixa título, com "apoio" de Lobão, Ritchie, Leo Jaime e do miquinho selvagem Big Abreu, tornou-se bordão popular. Até "Marylou", censurada devido ao seu didatismo em explicar por onde a galinha bota ovo, ganhava espaço conforme o grau etílico do freguês. Em um ano, o disco venderia mais de 500 mil cópias.
A gurizada, que naquele domingo ria de cabeça para baixo, jamais imaginaria que estava testemunhando o nascimento de uma obra-prima. O
lance era aproveitar os últimos dias livres antes de as aulas recomeçarem, em
agosto. O Tivoli Park não existe mais. O Ultraje a Rigor resiste, somente com
Roger da formação original.
E um daqueles moleques, sem ganhar guitarra da mãe nem carro do pai, assina hoje estas maltecladas.
Texto escrito por Emerson Gasperin e publicado na Bizz #208,
de dezembro de 2006.
absoluto clássico da musica cantada em lingua portuguesa
ResponderExcluirObrigado! Foi um prazer! :)
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