Os dedos mágicos e a música sublime de Booker T. & The MG’s


Booker T. Jones ainda está vivo. Nascido em Memphis, no Tennessee, em 12 de novembro de 1944, está com 75 anos. Ainda dá tempo de você descobrir um dos músicos mais incríveis do século XX. Vamos lá?

Batizado como Booker Taliaferro Jones Jr., Booker T. é um multi-instrumentista norte-americano, famoso principalmente pelo seu piano e órgão, instrumentos que dominou como poucos e elevou a um status extremamente dançante e cheio de groove. Gravou ao lado de lendas reconhecidas e outras nem tanto como Otis Redding, Priscilla Coolidge, Willie Nelson, Levon Helm, Albert King, Rod Stewart, Rita Coolidge, Bill Withers, Linda Ronstadt, Richie Havens, John Lee Hooker, Elton John, Neil Young e mais um monte de gente. A lista é impressionante.

Mas o ponto central da obra de Booker T. é outro. Apostando sempre na música instrumental, compôs e gravou alguns das maiores canções com essa característica. Provavelmente você já assobiou algumas de suas melodias e nem sabe disso. Clássicos como “Hang ‘Em High” e “Soul Limbo” não me deixam mentir. Unindo o soul e o funk a um contagiante tempero latino, o tecladista gravou singles e álbuns antológicos Green Onions (1962), Soul Limbo (1968), Melting Pot (1971) e o incrível McLemore Avenue (1970), todos ao lado do The M.G.’s, banda com quem construiu uma das sonoridades mais influentes da soul music e contava com um time de craques: Steve Cropper (guitarra), Lewie Steinberg (baixo) e Al Jackson Jr. (bateria).


Como falei de McLemore Avenue, vale se estender um pouco mais nesse disco. Lançado em abril de 1970, traz versões instrumentais para clássicos dos Beatles, além de uma capa que referencia a de Abbey Road, com os músicos também atravessando uma rua. Aqui, a foto não foi tirada em Londres, mas sim na rua em que ficava o estúdio da Stax, em Memphis, um dos berços da soul music nos Estados Unidos. "Eu estava na California quando ouvi Abbey Road, e achei incrivelmente corajoso que os Beatles abandonassem seu formato e mudassem a sua música como fizeram, ultrapassando limites e se reinventando quando não precisavam fazer isso. Eles estava no topo do mundo, mas ainda assim se reinventaram. A música era incrível, então eu senti que precisava prestar homenagem a ela”, conta Booker sobre os motivos que o levaram a regravar basicamente o Abbey Road inteiro.

Além de releituras para “Golden Slumbers”, “Carry That Weight”, “The End”, “Here Comes the Sun”, “Come Together”, “Something”, “Because”, “You Never Give Me Your Money”, “Sun King, “Mean Mr. Mustard”, “Polythene Pam”, “She Came in Through the Bathroom Window” e “I Want You (She’s So Heavy”), o quarteto também gravou versões para “You Can’t Do That”, “Day Tripper”, “Michelle”, “Eleanor Rigby” e “Lady Madonna” nas mesmas sessões de gravação, que rolaram em Memphis e em Los Angeles. Essas canções foram lançadas em compactos ao longo dos anos e entraram em uma edição remasterizada de McLemore Avenue lançada em 2011 pela Stax Records.

Em relação à interpretação da obra dos Beatles, minhas versões preferidas são a desconcertante desconstrução de “Something” e a linda releitura de “Eleanor Rigby”. O sucesso da empreitada fez com que Booker T.& The MG’s dessem o seu tempero também para outros sucessos como “Mr. Robinson” de Simon & Garfunkel, “Light My Fire” do The Doors e “Born Under a Bad Sign”, imortalizada por Albert King.


Todas essas canções e mais os sensacionais singles de Booker T. e sua turma estão na compilação The Best of Booker T. & The MGs, lançada originalmente em 1986 nos Estados Unidos e que saiu no Brasil em CD pela gravadora Universal nos anos 2000. A edição nacional traz um encarte simples com um texto do crítico Lee Hildebrand contextualizando a obra e legado do quarteto, além de informações sobre as músicas. Com sorte, você consegue encontrar essa coletânea em suas caçadas fonográficas.

Como disse lá no primeiro parágrafo, Booker T. ainda está vivo. Steve Cropper também. Lewie Steinberg faleceu em 2016, aos 82 anos. Donald Dunn, baixista que gravou McLemore Avenue, partiu em 2012, aos 70 anos. E o baterista Al Jackson Jr. nos deixou muito cedo, com apenas 39 anos, assassinado durante um assalto em sua casa em 1975.

Nesses tempos de isolamento social, onde muitas vezes o lado psicológico de cada um de nós passa por momentos difíceis e não muito agradáveis, a música é uma companhia ainda mais importante. E a música de Booker T. ao lado dos MGs é algo que beira o sublime. Ela reconforta a alma e anima os dias, preenchendo o vazio provocado pelo afastamento. Caso você já conheça a obra de Booker T. e seus amigos, é uma boa hora pra revisitá-la. E se ainda não ouviu o que Booker T. fez ao longo da vida, aproveite e descubra um dos  universos musicais mais apaixonantes do século XX.


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