Documentário lança olhar sobre as raízes da cena musical histórica de Los Angeles



Cinquenta anos depois dos primeiros acordes de Roger McGuinn no debut dos Byrds, um show capitaneado por Jakob Dylan (Wallflowers) e um executivo da Capitol Records e outros expoentes de sua geração como Fiona Apple, Beck, Regina Spektor, Cat Power e Norah Jones celebra a riqueza musical, poética e o lirismo daqueles anos quase ingênuos da cena musical da Califórnia dos anos 1960, documentados nesse filme com produção executiva de Jakob e Daniel Braun.

 

Esbarrei no filme primeiro através da trilha sonora, que o Spotify me indicou como sugestão. Well done, já estava fisgado. Um time de estrelas contemporâneas reinterpretando clássicos e sons mais obscuros daquela cena folk rock e psicodélica da Califórnia sessentista me atiçou a curiosidade pelo desconhecido documentário, dedicado à memória de Tom Petty - muito provavelmente a causa da sua sentida ausência na trilha sonora do filme. 

 

Echo in the Canyon celebra a música popular que saiu do bairro de Laurel Canyon, em Los Angeles, em meados dos anos 1960, quando as pessoas se tornaram elétricas e The Byrds, The Beach Boys, Buffalo Springfield e The Mamas and the Papas cimentaram o California Sound. Foi um momento (1965 a 1967) em que as bandas vieram a Los Angeles para imitar The Beatles, e Laurel Canyon emergiu como um foco de criatividade e colaboração para uma nova geração de músicos que logo colocaria um selo indelével na história da música popular americana.

 


O doc parte de entrevistas do filho de Dylan (que é citado no filme), com os músicos que fizeram parte da cena de Laurel Caynon - área na Hollywood desenvolvida em 1910 e que tornou-se uma parte da cidade de Los Angeles em 1923, mostrando o começo da formatação do som da costa oeste pela junção dos acordes de canções dos Beatles e de rock and roll com levadas folk nas guitarras Rickenbakers, como a utilizada por Roger McGuinn. O instrumento aparece na primeira cena na mão do saudoso Petty, em sua última entrevista para cinema, ele mesmo um músico influenciado por esse som que levou o folk rock a ser tão popular e relevante apesar de, no começo, a mistura dos mundos do rock e do folk ser mal vista por muitos na cena local.

 

Apesar de elogios, o filme foi criticado por omissões flagrantes sobre o período histórico e movimentos como os direitos civis. Também não são mencionados outros luminares do rock que residiam na área naquele período, como Jim Morrison e a cantora e compositora Joni Mitchell. Também se reclama que há muito do século XXI (especialmente pelos artistas em show e estúdios) e não há material suficiente do próprio período.

 

E apesar da condução blasé até demais de Jakob, o filme tem histórias interessantes, misturando as mesmas com partes das canções regravadas pelos Byrds, Bufallo Springfield, Mamas and Papas e outros, em apresentações ao vivo e em estúdio. O documentário passeia pelas 12 cordas dos Byrds, que criaram um gênero único e extremamente influente de música, que deu um ar de seriedade ao rock, com poesias e letras políticas. Mostra os Beatles recebendo os Byrds, então sua banda favorita, na Inglaterra, e Tom Petty afirmando que o som folk dos Beatles nasceu da resposta americana ao Fab Four, e aborda a influência dos Beach Boys na concepção de Sgt. Peppers (1967), onde o quarteto foi influenciado pela audição do fabuloso Pet Sounds (1966).

 

Uma cena legal é a que Brian Wilson corrige o tom da música dos Beach Boys que Jacob estava regravando. Interessante ainda ouvir da própria Michele Philips as tretas do Mamas and Papas, especialmente o "trisal" com Denny e Jonh, e a história por trás da música “Go Where You Wanna Go”, que é regravada pela trupe de Jakob. Tem também David Crosby explicando que foi expulso do Byrds porque simplesmente "era um idiota".

 


Bacana também são as considerações sobre a chamada "polimerização cruzada" a que se referem de forma espontânea e coincidente Jackson Browne e Stephen Stills, com as inspirações e influências entre os Beatles, especialmente os acordes de George Harrison naqueles tempos, e de Roger McGuinn, coverizando um ao outro até mesmo pela influência do som das Rickenbakers.

 

O cantor e instrumentista Beck acerta também ao se referir às bandas californianas de 1965 a 1967 como supergrupos, tais como Bufallo Springfield, com todos cantando bem e tocando por vezes mais de um instrumento. Outra sacada das conversas pessoais e espontâneas do filme é a similitude da canção “Let it Rain”, de Eric Clapton, com "Questions", do Bufallo Springfield, ligeiramente confessada por Clapton em um papo aberto contando seu contato com a cena de Laurel Caynon após se apresentar com o Cream, com direito a batida policial e tudo em uma festa promovida por Stephen Stills. Clapton toca, e muito bem, na regravação da música de Stills.

 

Outro momento legal são as histórias das sessions nas casas do local. Ao contrário da cena da costa leste (Nova York), onde os encontros entre os músicos acontecia em clubes, as jam sessions dos artistas da costa oeste eram em longos saraus nas casas dos vizinhos. Gente como Frank Zappa, David Crosby, Jackson Browne, Michelle Philips, Roger McGuinn, Neil Young e Stephen Stills moravam quase lado a lado, e ainda eram vizinhos do mágico Houdini! Há momentos hilários como Stills falando sobre o vizinho Zappa parado na rua entre suas casas e recitando a letra de sua música "Who Are the Brain Police?", e admitindo timidamente que ele fugiu pelos fundos uma vez quando os policiais chegaram à sua casa, enquanto Eric Clapton, Neil Young e outros estavam o visitando. Num desses encontros apareceu Brian Wilson na casa de Stephen Stills e esse apresentando um acorde na guitarra de uma canção que estava trabalhando deixou Brian improvisando no piano (devidamente 'aditivado') e foi dormir. Ao acordar oito horas depois encontrou Brian no piano tocando os mesmos acordes de antes, sem parar, de forma mais rápida. Tempos doidos ... E, por fim, a participação de Neil Young é sempre bem vinda. Neil sendo Neil, tocando de forma alucinada como sempre.

 

O filme está disponível somente por aluguel na Amazon gringa, já esteve na Netflix americana e está dando bobeira numa busca apurada por aí.

 

Por Ricardo Igreja, do Um Cadinho de Songs


Comentários