E nesse cenário
tão prolífico surge o Avatarium, banda criada em 2013 por Leif Edling, lendário
baixista do Candlemass (adivinhe de onde veio a banda?). O intuito era fazer um
som calcado no doom metal (afinal, ele é um dos grandes expoentes no estilo),
mas, ao mesmo tempo, tentando se sobressair com o belo vocal de Jennie-Ann
Smith em músicas repletas de temas fantasiosos e macabros. Curiosamente, o
posto de vocalista foi inicialmente pensado para Mikael Akerfeldt, vocalista do
Opeth (outra banda sueca!), o qual possui inegável talento e dispensa
honrarias, mas já adianto que a escolha pela voz feminina foi muito acertada e
essencial para refinar o som da banda.
O primeiro álbum,
lançado em 2013, é composto de músicas longas, arrastadas e pesadas e foi muito
bem recebido pela crítica, destacando-se não apenas pelo competente trabalho da
guitarra de Marcus Jidell e do baixo de Leif, mas, essencialmente, pelas
interpretações de Jennie-Ann. Nos álbuns seguintes, The Girl with the Raven
Mask (2015) e Hurricanes and Halos (2017), vemos um gradativo amadurecimento da
banda, que luta para criar uma identidade própria em relação ao seu fundador,
que deixa o posto de baixista e passa a contribuir apenas com as letras.
Em 2019 o grupo
lançou seu quarto trabalho, The Fire I Long For, por intermédio da Nuclear
Blast, com distribuição no Brasil pela Shinigami Records. Nele é possível
perceber que o Avatarium dá mais um sólido passo para obter seu devido
reconhecimento no mundo do heavy metal. Este álbum foi produzido pelo
guitarrista Marcus Jidell e o que se percebe agora, especialmente quando comparado
com o disco anterior, é uma sonoridade mais orgânica (ou crua, se preferir), sensação
semelhante ao ocorrido com Lykaia (2017), terceiro álbum do Soen, banda sueca
de metal progressivo que também contava à época com Marcus Jidell como
guitarrista e produtor.
As composições voltaram
a ficar mais pesadas e o ouvinte consegue pressentir um pouco dessa aura
sombria que circunda o disco apenas olhando para sua capa. Apesar da impressão
inicial, é preciso destacar que a banda conseguiu balancear muito bem os
momentos de intensidade e leveza, sendo esta uma característica geral do disco,
que em suas nove faixas lida com dualidades muito comuns no metal: luz e
escuridão, vida e morte.
O álbum se inicia
de forma pesada com “Voices”, e logo no refrão percebemos a entrega e vontade
da vocalista em atingir as principais notas. Apesar da boa escolha para abrir o
trabalho, a faixa não tem tanta energia se comparada a “Girl with the Raven
Mask” ou “Into the Fire/Into the Storm”, que abriram, respectivamente, o
segundo e terceiro discos do grupo.
Logo em seguida
vem “Rubicon”, com um ritmo mais acelerado e acompanhado por notas de piano ao
fundo. Interessante como às vezes sentimos a sensação de que uma música tem
todo o jeito de single mesmo sem sabermos se a banda a escolheu para promover o
trabalho. Muito tem a ver com a empatia inicial que ela causa pelo seu ritmo ou
refrão marcantes, por exemplo. E por isso digo que o Avatarium acertou na
escolha, pois “Rubicon” possui essas características, e é um single realmente
bom. A curiosidade com o significado da letra me levou a descobrir que o título
da faixa se refere a um rio italiano, Rubicão, que nos tempos romanos servia como
limite natural entre reinos e foi palco de um momento histórico quando sua
travessia pelo então imperador Júlio César foi interpretada pelo Senado como um
ato de guerra. Atualmente, na língua inglesa, a palavra traduz a ideia de um
limite que, se ultrapassado, não admite retorno, o que faz sentido ao ouvirmos
o refrão: “But I know now it's much too late/ To turn the other cheek (...) I
feel the water on my feet/ As I’m crossing Rubicon”.
Leif Edling,
agora nos bastidores, auxiliou escrevendo a letra de três músicas: “Porcelain
Skull”, “Epitaph of Heroes” e, encerrando o álbum, “Stars They Move”. À exceção
da última, que é bem calma e suave, sua colaboração traz músicas com temas
fantasmagóricos e macabros, e se analisarmos seu histórico dentro do grupo
podemos considerar como sua marca registrada. A propósito, os críticos no
primeiro álbum chegaram a classificar o estilo das letras do Avatarium como
sendo “poesia absurda”, ou seja, com conteúdo que mexe com a imaginação e, ao
mesmo tempo, nos remete ao ambiente das histórias de mestres do horror como
H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe. Vale ressaltar que “Epitaph of Heroes” tem um
início que lembra muito “Under the Sun”, última faixa do Black Sabbath em Vol.
4 (1972): pesada e arrastada, mas isso não dura muito. Assim como os pais do
heavy metal fizeram, o ritmo da música ganha vida e fica mais empolgante. Belo
registro.
As colaborações
de Leif Edling são boas, mas, se compararmos com as demais composições da dupla
Jennie-Ann e Jidell, percebemos que elas já não aparentam mais ter o rumo que o
grupo quer seguir. E aqui faço questão de destacar que a busca pela
originalidade é um trabalho hercúleo para o grupo, pois o criador da banda, e
inclusive alguns de seus membros, participam de outros projetos. Leif, apesar
de agora só colaborar com as letras, recrutou Marcus Jidell para compor em 2015
um novo grupo de heavy metal chamado The Doomsday Kingdom, cujo baterista,
Andreas Johansson, também ocupou o posto no novo álbum do Avatarium. Ou seja,
querendo ou não, Leif é onipresente e, com tantos trabalhos, fica difícil a
separação entre criador e criaturas.
Em “Lay Me Down”,
semelhante, porém superior a “When Breath Turns to Air” do álbum anterior, a
banda diminui bem a intensidade e apresenta uma música com influências de jazz
que nos comove principalmente pela interpretação de Jennie-Ann. Para ela não
basta cantar, é preciso se entregar de corpo e alma em cada palavra, algo que
enriquece muito a experiência ao ouvir qualquer música que esta banda se propõe
a fazer. E temos essa mesma sensação ao
ouvir a emoção da vocalista na faixa título, que clama pelo fogo que dá
movimento à vida (“You’re the fire I long for/ There’s nothing I want more”).
Seu refrão é muito bom e acredito que fará sucesso ao vivo, pois é a típica
música que nos dá vontade de cantar junto. Marcante!
Destaco, por fim,
a bem executada “Shake That Demon”, representando o momento mais rock and roll
do álbum e que muito se assemelha a “Run Killer Run”, do segundo disco da
banda. E também “Great Beyond”, que lida com um questionamento que sempre
intrigou o ser humano: o que há além? A sensação causada pela faixa é tão
interessante que o ouvinte se sente levado para uma viagem ao vazio em busca do
desconhecido.
O diferencial
deste trabalho é evidente. De um lado, o excelente trabalho do casal (sim, eles
são casados) Jennie-Ann no vocal e, de outro, a competente condução de Marcus
Jidell na guitarra, que consegue mesclar rock, doom, jazz e heavy metal em um
mesmo universo sonoro. Mas fica uma pergunta: e a bateria, teclado e baixo? Este
é um ponto que deixa um pouco a desejar, pois não há muitos momentos de destaque
para esses instrumentos. Eles estão lá, mas sem causar impacto (positivo ou negativo)
na audição. Tanto é que em relação ao baixo não há crédito para quem tocou o
instrumento em estúdio.
No geral, The
Fire I Long For é, sem dúvida alguma, o melhor trabalho apresentado pelos
suecos do Avatarium em seus sete anos de carreira, e mostra cada vez mais uma
banda que busca uma identidade própria, seja no conteúdo das letras ou na forma
de fazer música sem limites de estilo. Inicialmente idealizado como projeto e
agora, com segurança, uma banda, o grupo mostra que pode ir além, muito além,
das influências de Leif Edling.
Por Paulo César
Teixeira Júnior
Suas observações sobre a voz da moça são mais precisas que aparentam: ela tem no currículo produções e apresentações de jazz, antes de enveredar pelo doom metal.
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