Bem, precisamos
entender o contexto em que o álbum foi lançado. A década de 1970 propiciou o
surgimento de grandes bandas reverenciadas até hoje no mundo do rock. Guitarras
em alto volume, efervescência de ideais, músicas complexas e muitas vezes
psicodélicas, conduziriam a maneira de se fazer o rock and roll. Já os anos 1980
forçaram as bandas a se adaptar a uma nova realidade, pois agora era a vez de
usar cabelos longos e armados, teclados e sintetizadores, promover grandes
shows em estádios lotados e gravar um videoclipe para passar na MTV. As novas
tendências não foram ruins, pois ajudaram a difundir ainda mais a cultura
musical. Entretanto, causaram alterações sensíveis na sonoridade das bandas que
já vinham atuando desde a década anterior.
Com o Rush, a mudança é evidente. A banda
construiu uma identidade muito peculiar em álbuns que se tornaram icônicos como
2112 (1976), A Farewell to Kings (1977) e Hemispheres (1978), cujas letras se
voltam para a fantasia e contém algumas faixas extensas, conduzindo o ouvinte a
jornadas que ultrapassam os vinte minutos. Sem contar os agudos de Geddy Lee,
que muitas vezes eram objeto de comentários negativos pelos críticos do ramo
musical. Em Permanent Waves inaugura-se
um novo período para o trio canadense, como se fosse uma “parte 2” em sua
história. Agora as músicas são encorpadas com teclado e tornam-se mais
acessíveis ao público (radio friendly, como diria a crítica estrangeira), mas
isso não significa perda de identidade, e muito menos, simplicidade, pois,
quando se trata de Rush, nada é tão superficial quanto pode parecer.
As composições
foram todas escritas pelo baterista Neil Peart e são extremamente bem
arquitetadas pelo grupo, tudo tem uma razão de ser, ou seja, não há ponto solto.
A produção confere muita clareza a todos os instrumentos e mais uma vez ficou a
cargo de Terry Brown, que trabalharia com a banda em seu auge, de 1975 (Fly By
Night) a 1982 (Signals).
Em “Freewill”, outra
faixa que fez bastante sucesso, o ritmo é bem conduzido por Alex Lifeson e
apresenta uma ótima ponte ao diminuir a intensidade para a chegada do refrão.
Ponto interessante de destaque é que esta é uma das últimas músicas na carreira
do Rush em que ouvimos o agudo de Geddy Lee, que, a partir daquele momento,
alterou seu estilo de cantar e conteve seus marcantes gritos dos álbuns
anteriores. O título da faixa, em
tradução literal, significa “livre arbítrio” e retrata o poder que temos de definir
nosso próprio futuro através de nossas escolhas, ainda que optemos por não
fazer nada (“If you choose not to decide / You still have made a choice”). Nada está
predeterminado.
A terceira, “Jacob’s
Ladder”, conta com mais de sete minutos e é conduzida inicialmente por uma
batida marcial e por toda sua extensão o clima é mais sombrio. Demorei a gostar,
e isso só ocorreu quando entendi o intuito da banda, que era criar uma trilha
sonora para a experiência cinematográfica de uma intensa batalha dos raios de
sol ultrapassando o bloqueio das nuvens, por isso essa tensão perceptível na
cadência da faixa.
Por fim chegamos
a “Natural Science”, última faixa do álbum e que é dividida em três atos nos
seus nove minutos de duração. A letra retrata o equilíbrio entre o mundo
natural e o artificial através da ciência e da arte. O começo do primeiro ato, “Tide
Pools” (ou “poças de maré”) é lento e suave, apenas voz, violão e o som das
ondas do mar, ou seja, é a vida natural em sua origem, até que a música
abruptamente ganha aceleração e ritmo e chega ao segundo ato, “Hyperspace”, momento
em que se retrata a interferência da ação humana no mundo. O terceiro ato, que
dá o título ao álbum, encerra-se de maneira magistral e mostra que a vida na
Terra é um ciclo de “ondas permanentes” que, ao voltarem ao oceano, propiciam a
existência simbolizada nas poças de
maré, mas, de tempos em tempos, também retornam para mostrar sua voracidade e
impor um recomeço à história humana. Essa música não poderia ser mais atual,
levando-se em conta o momento de dificuldades criado pela pandemia do COVID-19.
E essa última seção
da música também nos ajuda a dar sentido à capa do álbum. Nesta é possível ver
um ambiente de destruição causado por um fato da natureza, como se uma onda
levasse tudo o que estivesse à frente. Apesar das intempéries, isto não seria o
fim, mas sim uma oportunidade para um recomeço.
É nítido perceber
que os temas tratados em Permanent Waves são profundos e muito atuais mesmo
depois de quarenta anos, algo que aparentemente se contrapõe ao novo som mais
acessível desenvolvido pela banda na década que se iniciava. Mas, como havia
dito anteriormente, nada no Rush é superficial. Talvez este seja o grande fator
que diferencia o álbum e lhe dá essa sensação de “permanência” dentro da discografia
do trio. O passado não foi esquecido. Digamos que as experiências progressivas
dos álbuns anteriores foram readaptadas à nova realidade musical e, ainda
assim, a banda conseguiu manter sua originalidade e unir de forma equilibrada
complexidade e simplicidade em um único trabalho, triunfo que nem todas as
bandas podem ostentar.
Permanent Waves,
lançado apenas 14 dias após o início de 1980, foi um divisor de águas e redefiniu
toda a trajetória do Rush, sendo que sua criatividade e originalidade permitem colocá-lo
em patamar de destaque dentro da discografia do grupo.
Por Paulo César
Teixeira Júnior
Os três com cortes de cabelo da quarentena!
ResponderExcluirParabéns, Paulo. Bons comentários. Vá em frente.
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