Review: Katatonia – City Burials (2020)


Poucas bandas possuem habilidade de transformar a tristeza e a melancolia em ótima música de maneira tão singular e atraente como os suecos do Katatonia. O grupo, chefiado pelo vocalista Jonas Renkse e o guitarrista Anders Nystrom, está prestes a completar três décadas de carreira, e mesmo com as mudanças de estilo e de membros durante todo este tempo eles conseguem provar mais uma vez porque são um nome que merece respeito e relevância com o seu mais recente trabalho, o décimo primeiro de sua carreira: City Burials.

 

Em uma entrevista concedida para o site MusicRadar, Nystrom revelou que, originalmente, este álbum começou como um trabalho solo de Renkse em parceria com o colaborador de longa data Anders Eriksson (também conhecido como Frank Default) enquanto o grupo estava num período de hiato entre 2018 e 2019. Porém, de última hora, Renkse mudou de ideia e fez questão de que este se tornasse mais um álbum de sua banda principal. Não é difícil entender a razão desta decisão: entre suas onze faixas, fica bem claro que este se trata de um típico trabalho do Katatonia.

 

Para quem não é familiarizado com o som praticado pelo grupo, podemos dizer que hoje ele entrega um metal de atmosfera soturna e introspectiva com um toque alternativo e alguns elementos progressivos. Esta é basicamente a fórmula que foi definida através do aclamado The Great Cold Distance (2006) e de lá pra cá a banda vem investindo cada vez mais nesta linha. Enquanto The Fall of Hearts (2016) ficou caracterizado por uma imersão maior num território mais progressivo, City Burials volta algumas casas atrás na discografia da banda e balanceia o refinamento conquistado no álbum anterior (além de apresentar a mesma formação dele, completada por Roger Ojersson nas guitarras, Daniel Moilanen na bateria e Niklas Sandin no baixo) com um pouco da atmosfera dos álbuns anteriores. Não apresenta muitas novidades no som para ouvintes de longa data, mas é uma excelente amostra de tudo o que eles têm feito há um bom tempo.

 

A abertura “Heart Set To Divide” nos traz uma impressão de que o grupo está para continuar do ponto onde o disco anterior terminou, mas isto logo se esvai nas duas faixas seguintes, que são alguns dos maiores destaques do álbum. “Behind the Blood” chama a atenção por sua pegada mais voltada para uma veia entre hard rock e heavy metal mais tradicional, uma adição bastante bem-vinda e até meio inusitada, enquanto “Lacquer” é dominada por uma atmosfera totalmente eletrônica, sombria e surpreendentemente moderna (um território no qual o Katatonia não é de todo muito estranho, na verdade) e é conduzida pela convincente e emocionante performance vocal de Renkse – este que, vale frisar, apresenta ao longo deste trabalho os seus melhores registros vocais limpos desde o final dos anos 1990. Outro grande destaque,“The Winter of Our Passing”, se sobressai como a canção mais direta do álbum,apresentando alguns elementos eletrônicos discretos ao fundo e um ótimo refrão, cuja eficiente simplicidade é apoiada pela classe com que é executada.

 

“Vanishers” é um belo dueto entre Renkse e a vocalista Anni Bernhard, que invariavelmente remete um pouco à “The One You Are Looking For Is Not Here” de Dead End Kings (2012), ainda que apresente um tom muito mais melancólico. Esta forte sensação de melancolia alternada entre alguns momentos mais positivos e empolgantes é uma característica intrínseca do som praticado pelo grupo, e boa parte das canções restantes do álbum se destaca por conta desta fórmula já testada e aprovada: “City Glaciers”, “Flicker”, “Neon Epitaph” (esta que inclusive apresenta certa influência instrumental do Tool) e “Untrodden” (que encerra o disco) contam todas com refrãos capazes de ficar na cabeça, contrastando com o onipresente clima pesado – porém belo – que permeia a obra.

 

Um dos objetivos que muitas bandas almejam é construir uma identidade musical bem-estabelecida, tão sólida que não necessita de grandes mudanças para ser apreciada tanto pelo seu público quanto potenciais novos ouvintes, e é exatamente isso o que o Katatonia entrega em City Burials: uma reconfortante experiência auditiva para os tempos atuais, e mais uma prova de que mesmo algumas das mais negativas sensações podem se transformar em algo bastante apreciável através da música.

 

Por Rodrigo Façanha

 


Comentários

  1. Katatonia se repete a cada album desde o TGCD e nunca fica enjoativo. O que eles trazem a cada album não revoluciona, mas agrada e conforta. É uma qualidade raríssima na música.

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