Review: Guns N’ Roses – Chinese Democracy (2008)


Sexto disco do Guns N’ Roses, Chinese Democracy ficou marcado pelo enorme tempo que levou para ser lançado. Foram quinze anos entre ele e o trabalho anterior da banda norte-americana, o álbum de covers The Spaghetti Incident?, que saiu em 1993. E se contarmos em relação ao disco autoral anterior do grupo – as duas partes de Use Your Illusion, lançadas em 1991 -, teremos dezessete anos de diferença.

Mas Chinese Democracy é muito mais que apenas isso, evidentemente. O disco é  todo centralizado em Axl Rose e o único da banda sem o guitarrista Slash e o baixista Duff McKagan. Slash saiu do Guns em 1996 e Duff em 1997. O baterista Matt Sorum também deixou o grupo em 1997, enquanto o guitarrista Gilby Clarke, que era um músico contratado, foi mandado embora em 1994. As razões que levaram à saída de todos esses músicos envolvem o relacionamento com um Axl Rose cada vez mais controlador e também os direitos sobre o nome da banda, que foram assumidos pelo vocalista ainda nos primeiros anos da história do grupo, tornando-o único dono da marca Guns N’ Roses. Mas a ideia aqui não é falar sobre os problemas do conjunto mas sim sobre o seu disco mais menosprezado.

Chinese Democracy, que no início tinha o título de 2000 Intentions (já que a ideia era que o disco chegasse às lojas na virada do século), teve um processo de gravação bastante problemático. Sua gestação passou por quinze estúdios diferentes, envolveu dezenas de músicos, sete produtores e várias canções que não entraram no tracklist final e seguem inéditas até hoje. O custo total ultrapassou os 13 milhões de dólares, tornando-se o álbum de rock mais caro de todos os tempos. Entre os músicos que participaram de Chinese Democracy em algum momentos estão nomes como Sebastian Bach, enquanto rumores apontam que guitarristas do porte de Brian May e Dave Navarro teriam gravado algumas faixas que não entraram na escolha final. E mais: durante o processo de composição a banda chegou a fazer audições para novos integrantes e testou músicos como Zakk Wylde e Dave Abbruzzese (ex-baterista do Pearl Jam), que acabaram não sendo aprovados, além de Axl convidar outros instrumentistas, incluindo Iggor Cavalera, na época baterista do Sepultura.

A banda que gravou o disco contou com com Axl Rose, Robin Finck (guitarra, Nine Inch Nails), Ron Thal (guitarra, atualmente no Sons of Apollo), o peculiar Buckethead (guitarra), Paul Tobias (guitarra), Richard Fortus (guitarra, no Guns até hoje), Tommy Stinson (baixo, The Replacements), Bryan Mantia (bateria, Primus e Godflesh), Frank Ferrer (bateria, na banda até os dias atuais), Dizzy Reed (piano e teclado, que colaborava com o Guns desde 1990 e segue no grupo), Chris Pitman (teclados e programação de instrumentos) e Josh Freese (multi-instrumentista e que trabalhou com Axl nos arranjos).

São ao todo quatorze músicas em pouco mais de 70 minutos, todas compostas por Axl com diversos parceiros – “This I Love” é a única que ele escreveu sozinho. Musicalmente o álbum traz o hard rock conhecido do Guns N’ Roses turbinado por uma dose extra de megalomania e um clima ainda mais grandioso e épico, além de influências de rock industrial. O disco teve três singles – a música título, “Better” e “Street of Dreams” – e chegou ao primeiro lugar na parada de rock da Billboard, ao número 3 do Billboard 200 e possui vendas estimadas em aproximadamente 2,6 milhões de cópias em todo o mundo, o que, para uma banda do porte do Guns N’ Roses, foi considerado um “fracasso” comercial. O álbum também foi presença nas listas de melhores do ano de 2008, ficando em 12º lugar na Rolling Stone e no quarto posto da lista da Ultimate Classic Rock.

No entanto, Chinese Democracy está longe de ser um disco ruim. Há uma clara sequência do que a banda havia feito até então, com Axl e seus novos companheiros experimentando novas influências e renovando o som da banda através da chegada de instrumentistas diferentes. Porém, isso acabou soterrado e passando despercebido em grande parte das análises do álbum, que focaram muito mais na longa espera por um novo trabalho do que na audição propriamente dita.

O disco abre com duas faixas que atualizam a raiva onipresente no Guns N’ Roses desde o início da banda – “Chinese Democracy” e “Shackler’s Revenge”. Um bom cartão de visitas do que estaria por vir. “Better” se tornou uma das músicas mais conhecidas de Chinese Democracy e traz as cativantes linhas vocais de Axl Rose, uma das marcas registradas do cantor. Uma canção que sobreviveu ao teste do tempo e é tocada até hoje pela banda. A tradição de baladas marcantes do grupo é revisitada em “Street of Dreams”, que poderia estar em qualquer um dos dois volumes de Use Your Illusion.

A parte central do trabalho traz uma sequência de canções que apresentam o lado mais aventureiro de Axl na época. “If the World” é uma experimentação que une elementos orientais com batidas eletrônicas e funciona muito bem, ainda que os mais fãs mais ortodoxos possam estranhar em um primeiro momento. “There Was a Time” vem com orquestrações que encorpam uma boa canção, enquanto “Catcher in the Rye” é uma simpática balada. Harmonias vocais abrem “Scraped”, que derrama um peso violento e mostra o Guns revisitando a energia de Appetite for Destruction, assim como “Riad N’ the Bedouins”.

O movimento final de Chinese Democracy se inicia com “Sorry”, que em seus mais de seis minutos comprova de novo e mais uma vez o talento de Axl Rose em compor melodias marcantes. A canção se desenvolve em um arranjo ascendente, possui uma rica instrumentação e um refrão que fala direto com o coração do ouvinte. Ela funciona quase como um pedido de desculpas de Axl aos fãs que permaneceram ao seu lado mesmo no período mais sombrio e incerto do Guns N’ Roses. Excelente!

“I.R.S.” faz a transição para outro ponto alto, que é “Madagascar”. Épica e grandiosa, pode ser apontada como o grande momento artístico de Chinese Democracy. Uma das melhores composições do Guns, e que acabou estigmatizada por todo o contexto que envolveu o disco. Trechos do inesquecível discurso “I Have a Dream” de Martin Luther King, que fez história em 1967, surgem na parte central da música, assim como citações ao diálogo presente na clássica “Civil War” e falas de filmes como Coração Valente e Seven. Uma prova cabal do quanto Axl Rose ainda tinha o que dizer e o quanto a sua visão musical ainda fazia a diferença.

“This I Love” vem na sequência e é a única canção composta exclusivamente por Axl. Quase que de imediato se tornou uma das preferidas dos fãs e traz o vocalista ao piano acompanhado por uma orquestra. O lado crooner de Rose em toda a sua plenitude em uma das faixas mais fortes do disco. O álbum fecha com “Prostitute”, reunindo tudo que o trabalho apresentou até então: um olhar para o passado caminhando ao lado do desejo de se aventurar por novos caminhos, tudo amparado pela grandiosidade e pelo DNA épico da banda. Um belo encerramento.

Chinese Democracy ficou marcado na cultura popular pelo seu longo período de gestação. Muita gente não ouviu o disco com atenção até hoje, mais de dez anos após o seu lançamento. Outros tantos reclamam que ele é um álbum muito longo, o que não faz o menor sentido – afinal, se a maior banda do mundo na época leva mais de quinze anos para lançar um novo trabalho espera-se que ele traga um bom número de canções, não é mesmo? Menosprezado pela maioria dos fãs e totalmente ignorado pelos “fanáticos” do Guns N’ Roses que só conhecem “Sweet Child O’ Mine” e “Don’t Cry”, Chinese Democracy é um disco forte e que merece ser revisitado. Ele pode não ser excelente como a estreia e os dois volumes de Use Your Illusion, mas uma audição crítica e isenta mostra que não fica muito atrás das principais referências quando falamos da discografia da banda norte-americana.

 

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