Review: Vitor Ramil – Tambong (2000)


Irmão mais novo de Kleiton e Kledir, Vitor Ramil possui uma carreira bastante diferente da dos seus irmãos, que como dupla ficaram conhecidos em todo o Brasil através de músicas como “Deu Pra Ti” e “Vento Negro”. A família Ramil é natural de Pelotas, uma das principais cidades do estado e que fica localizada no extremo sul do Rio Grande do Sul, e esse fator é muito importante para entender a trajetória e a persona artística de Vitor Ramil, que além de músico é autor de diversos livros.

Ainda que tenha estreado a sua carreira musical com apenas vinte anos em 1980 com o álbum Estrela, Estrela, Vitor chamou a atenção do público com o seu terceiro disco, Tango, lançado em 1987. Um dos trabalhos mais cultuados da música popular gaúcha, Tango trouxe dois dos cavalos de batalha do repertório do mais jovem dos irmãos Ramil: “Loucos de Cara”, composta em parceria com Kleiton, e principalmente a impressionante “Joquim”, versão para “Joey”, música de Bob Dylan presente em Desire (1976), e que aqui ganhou uma releitura grandiosa contando a trajetória de um inventor nascido em Pelotas - que é chamada de Satolep pelo músico.

Tambong é o sexto álbum de Ramil e o sucessor de Ramilonga – A Estética do Frio (1997), que marcou um recomeço em sua carreira ao apresentar um novo Vitor, que se redescobriu muito mais identificado com a identidade latina e pela influência que essa região do Brasil recebe dos vizinhos Argentina e Uruguai, muito maior do que os ecos que vem do resto do país. Não à toa, o álbum foi gravado em Buenos Aires com produção do hermano Pedro Aznar e foi lançado em duas versões, com letras cantadas em português e espanhol.

Musicalmente, Vitor Ramil soa aos meus ouvidos como uma espécie de cruzamento entre Bob Dylan e Caetano Veloso (o timbre similar ao do baiano intensifica ainda mais essa sensação), porém explorando ritmos e musicalidades nativas do Rio Grande do Sul e de seus vizinhos do Prata. Assim, ouvimos desde milongas até pequenas reinvenções da música tradicional gaúcha, além de elementos, mesmo que sutis, de tango, cumbia e candombe.

Com quatorze faixas, Tambong traz as participações mais do que especiais de Lenine, Egberto Gismonti, Chico César e João Barone. Lenine divide os vocais com Vitor na ótima “Um Dia Você Vai Servir a Alguém”, uma das melhores músicas do álbum e com uma letra pra lá de contundente, que é uma versão de Vitor para “Gotta Serve Somebody”, canção lançada por Bob Dylan em Biograph (1979). Egberto Gismonti dá o toque desconcertante e o arranjo e instrumentação minimalistas de “Foi no Mês que Vem”, um dos pontos altos de toda a trajetória musical de Vitor Ramil. Chico César e João Barone participam de “A Ilusão da Casa”, dona de um lirismo belíssimo.

O álbum conta com diversas canções de destaque desde a abertura com a milonga “Não é Céu”, que conquista de imediato. “Espaço” é a mais Caetano do disco, enquanto “Só Você Manda em Você” é um blues descontruído com Pedro Aznar fazendo um ótimo trabalho na guitarra em mais uma releitura de Dylan, desta vez para “You’re a Big Girl Now”, canção presente no clássico Blood on the Tracks (1975). “Estrela, Estrela”, música de seu primeiro disco, ganha uma versão linda que torna a letra, escrita por um Vitor quase adolescente, ainda mais lúdica.

Tambong é um dos melhores álbuns da minha coleção de CDs. Um disco que revisito com frequência e que acalma o coração, desacelera os dias e conforta a alma. Um disco que, mesmo aclamado e premiado no sul do Brasil, é praticamente desconhecido no restante do país. Corrija isso e ouça, você vai descobrir um trabalho simplesmente incrível.


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