Review: Lana Del Rey – Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd (2023)


É interessante e improvável como Lana Del Rey não apenas conquistou uma legião de fãs apaixonados mas, sobretudo, construiu uma carreira de sucesso fazendo uma música que vai totalmente na contramão do que ouvimos no século XXI. Lana bebe na música da década de 1950 e início dos anos 1960, nos standards da cultura dos Estados Unidos e nas grandes cantoras do período, e traduz isso para o público atual com enorme eficiência e cumplicidade.

Seu novo disco, lançado dia 24 de março, é o álbum número nove de uma discografia cuja qualidade é constante e que, passo a passo, conta a história de uma das grandes vozes do nosso tempo. O álbum, inclusive, está sendo apontado por diversos críticos como o seu melhor trabalho, e isso não é exagero. Mantendo sua personalidade sonora e inserindo elementos de música alternativa, trap, folk e gospel, Lana Del Rey mais uma vez entrega um trabalho denso e com uma beleza palpável. A performance vocal é perfeita, os arranjos são elegantes e a produção é pra lá de eficiente, sem exageros e amarrando tudo com precisão.

O álbum traz dezesseis faixas – duas delas sendo interlúdios - e é longo, com quase 78 minutos. As canções raramente tem menos de quatro minutos, o que é uma pista do desapego total em relação ao formato padrão da música pop, e duas superam os seis e sete minutos. Parece bobagem falar sobre a duração das faixas, mas em um mundo onde um aplicativo como o TikTok se transformou em ferramenta para promover artistas através de trechos curtos de suas canções, temos aqui mais uma prova de como Lana vive em seu próprio - e lindo, diga-se de passagem - universo.

O classicismo característico de Lana Del Rey dá o tom, e a partir dele as canções se desenvolvem por diferentes caminhos. O coro descompromissado que introduz “The Grants” é belíssimo. “A&W” é uma jornada que começa no passado e chega até o tempo atual, transição marcada por beats na sua segunda metade e uma aproximação muito legal com o trap e até mesmo com o low-fi. O primeiro interlúdio, com falas agressivas e homofóbicas do pastor cristão Judah Smith, funciona como elemento dramático fortíssimo e posiciona Lana mais uma vez em relação ao seu público, que possui grande parcela LGBTQIA+. Ao amplificar as falas de um dos maiores porta-vozes do conservadorismo nos Estados Unidos e as apresentá-las para um público muito além das fronteiras de seu país, Lana demonstra de forma clara como a nação que sempre defendeu a liberdade hoje possui enormes celeiros dominados por preconceito e estupidez.

“Candy Necklace”, com participação de Jon Batiste, pianista do programa The Late Show with Stephen Colbert e líder da banda Stay Human, cativa pela delicadeza. “Kintsugi” e “Fingertips” são dois lindos exemplos da sensibilidade e do talento vocal de Lana Del Rey. A beleza ganha outra dimensão na delicada “Paris, Texas”, com participação de Brian Fennell, conhecido como SYML. Father John Misty colabora em “Let the Light In”, um dos momentos mais altos do disco, que nos faz imaginar como seria se Cole Porter fosse um artista folk. “Margareth” evolui em uma progressão emocionante e traz Lana acompanhada pelos Bleachers, banda do produtor Jack Antonoff, seu parceiro artístico há anos. “Peppers”, com participação do rapper canadense Tommy Genesis, é o momento mais descontraído do álbum, que se encerra com “Taco Truck x VB”, outra das melhores canções.


Antes do fim, uma menção à capa. O fotógrafo Neil Krug, que trabalha há anos com Lana, clicou 65 fotos da cantora, o que gerou cinco capas diferentes para o álbum, todas belíssimas. Um elemento a mais para os fãs e colecionadores da artista.

Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd é um dos melhores e mais uniformes títulos da discografia de Lana Del Rey. Os pontos altos predominam e dão o tom em um álbum belíssimo, que agradará os já convertidos e também quem se aventurar pelo universo musical extremamente peculiar desta artista nova-iorquina.


Comentários