Review: U2 – Songs of Surrender (2023)


Songs of Surrender
funciona como uma espécie de trilha sonora de Surrender: 40 Músicas, Uma História, autobiografia de Bono publicada no final de 2022 – a edição brasileira saiu pela editora Intrínseca. Não apenas os títulos de ambos se conversam, mas o sentimento é o mesmo: enquanto o vocalista do U2 olha para o passado para contar e apresentar os fatos de sua vida, a banda olha para trás, escolhe a dedo seus maiores clássicos e os reapresenta ao mundo com novas interpretações.

O álbum, disponível em três versões (super deluxe com 40 faixas, outra com 16 músicas e uma edição em CD deluxe com 20), tem um clima predominantemente contemplativo, e isso se traduz em releituras majoritariamente acústicas e bastante contidas, alcançando um resultado final que pode dividir os fãs. Quem espera algo rockeiro e cheio de energia, irá se decepcionar. Já outros, provavelmente na mesma sintonia que a banda, irão se encantar com a beleza das novas versões e com o minimalismo onipresente, que destaca a sempre bela voz de Bono.

Essa resenha foca na edição deluxe em CD, que traz vinte canções. A abertura, com a linda “One”, um dos maiores clássicos dos irlandeses, apresenta a carta de intenções do projeto. O refrão, com os músicos cantando juntos novas harmonias, é de arrepiar. De modo geral, as canções vêm impressas com um ar quase divino no sentido mais religioso da palavra, algo que conversa de maneira direta com a própria história da banda e, notadamente, de Bono, que nunca escondeu sua devoção – e vale lembra que o país natal do quarteto, a Irlanda, vive uma divisão histórica entre cristãos e protestantes que já dura séculos.

Da arrepiante entrega repleta de feeling em “Stories for Boys” às lindas novas versões dos hits “Beautiful Day” e “Pride (In the Name of Love)”, cujos novos arranjos parecem conversar ainda mais com as letras, o U2 acerta a mão na maioria dos casos. “Walk On (Ukraine)” ganha não apenas o adendo do país europeu em seu título como funciona como um novo hino anti-guerra para uma banda que sempre teve forte atuação política e pacifista, intensificadas aqui por novos versos adicionados à letra original. Algumas faixas, como “Red Hill Mining Town” e “Ordinary Love”, cresceram com as novas versões, revelando facetas antes escondidas. Algumas, com “Invisible”, se beneficiam de não serem tão conhecidas – essa está em Songs of Innocence (2014) – e soam como se tivessem acabado de chegar ao mundo.

Juntos há quase cinquenta anos, Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. se beneficiam do entrosamento fora do comum e entregam desconstruções inspiradas como a que ouvimos em “Vertigo” e a bela, leve e solar reinterpretação de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”, essa última funcionando como um luau planetário levado a cabo pela banda e seus violões. “The Fly”, um dos mais icônicos hinos da fase anos 1990 do quarteto, emerge revigorada com a abordagem minimalista e inteligente adotada pela banda, e é outra que soa praticamente como uma nova composição.

“If God Will Send His Angels”, uma das melhores músicas do subestimado Pop (1997), ficou belíssima. “Until the End of the World”, cuja coreografia no palco colocava em conflito a guitarra pesadíssima de Edge com a ironia de Bono, aqui mantém o seu ar épico, porém com novos contornos. “With or Without You”, sempre emocionante, é um destaque já com a primeira audição, enquanto “Stay (Faraway, So Close!)”, do brilhante Zooropa (1993), fica quase transcendental. Assim como fez em “Walk On”, Bono insere novas frases ao hino “Sunday Bloody Sunday” e o resultado é sensacional – mesmo acústica, a nova versão vem carregada do peso lírico e, em certos momentos, até mesmo instrumental.

O encerramento com “I Will Follow”, primeiro single de impacto do U2, e com a espetacular “40”, uma das canções mais belas do catálogo da banda, é perfeito não só cronologicamente mas também em termos musicais, com as duas faixas amarrando tudo o que foi apresentado no álbum.

O amor permeia todas as faixas de Songs of Surrender. Amor pela música, pela vida e por tudo que o U2 conquistou. E isso se traduz em um disco belíssimo e que vai encher a sua vida com quantidades enormes desse sentimento tão importante e cada vez mais escasso em uma sociedade onde likes, dancinhas e compartilhamentos ganharam uma importância desnecessária e não merecida.

O amor é necessário e muda o mundo. E o U2, que já transmitiu esse sentimento tantas vezes ao longo de sua carreira, faz isso mais uma vez em Songs of Surrender.


Comentários

  1. Creio que ningém espere algo rockeiro ou cheio de energia do U2 há pelo menos uns quarenta anos. Mas lançaram uma excelente trilha pra elevadores e salas de embarque!

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  2. Recomendo esse disco como soporífero. Aliás, o U2 deve fazer uma parceria com a ANVISA para incluir SONGS OF SURRENDER como remédio contra a insônia. Temos aqui músicas muzak da pior qualidade, sem gana, cansadas e insípidas, ou seja, músicas para serem ouvidas por quem já viveu o melhor de sua vida e está a espera da morte. Que disco chato, meu deus do céu!!!!!!! Me arrisco a dizer que esse projeto é o maior fracasso artístico do U2 e pode empurrar a banda para o encerramento de suas atividades. A pressão sobre Bono & cia para que o próximo disco de inéditas da banda faça o mundo esquecer desse abacaxi chamado SONGS OF SURRENDER é grande e o U2 sabe disso.

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  3. Concordo plenamente,simplesmente desnecessário.

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