A reflexão de Roger Waters sobre a futilidade humana em Amused to Death


Os álbuns solo de Roger Waters possuem uma sonoridade muito particular. De forma gradual, o quarteto formado por The Pros and Cons of Hitch Hiking (1984), Radio K.A.O.S. (1987), Amused to Death (1992) e Is This the Life We Really Want? (2017) foram incorporando elementos teatrais e se transformando, cada um a seu modo, como variações de The Wall (1979), a grande obra artística da vida de Waters. É uma sonoridade muito particular, que faz uso constante de efeitos sonoros, com Roger se revezando entre cantar e narrar suas letras, sempre amparado por coros e arranjos teatrais, sem jamais esconder a sua pretensão em nenhum momento.

Amused to Death, lançado em setembro de 1992, não foge à regra. Frequentemente apontado como o grande trabalho solo do vocalista, baixista e principal compositor do Pink Floyd, é, como todos os outros, um trabalho conceitual. O fio condutor é a televisão e o poder da mídia de massa, e como ela influencia a vida das pessoas. A inspiração veio do livro Amusing Ourselves to Death, publicado em 1985 pelo escritor norte-americano Neil Postman, que defende a ideia de que a cultura moderna está mais preocupada com a diversão e com o entretenimento do que com a informação e o conhecimento  - algo que estamos vivendo na prática nos últimos anos, vale salientar. E, como estamos falando de Waters, esse conceito é aplicado a críticas sobre a guerra, temas políticos e sociais. Há desde discursos contra a então Guerra do Golfo até uma espécie de manifesto a respeito da Primeira Guerra Mundial, com um veterano do conflito narrando na música de abertura, “The Ballad of Bill Hubbard”, como precisou abandonar um soldado ferido para morrer no campo de batalha, e a conclusão de sua história no encerramento do disco, que é justamente a música título – “Amused to Death”.

Acompanhado por nomes como Jeff Beck, Randy Jackson (baixista e mais tarde conhecido mundialmente como um dos jurados do American Idol), Andy Fairweather Law (parceiro de longa data de Waters e também colaborador de Eric Clapton), Steve Lukather (guitarrista do Toto), Jeff Porcaro (baterista do Toto, falecido naquele mesmo 1992), Don Henley (vocalista e baterista do Eagles) e as poderosas vozes de Rita Coolidge e P.P. Arnold, além de literalmente mais de uma dezena de outros músicos, Waters também desejava usar trechos de falas de HAL, a inteligência artificial do clássico filme 2001: Uma Odisséia no Espaço (1971), de Stanley Kubrick, mas o diretor não autorizou. No entanto, conseguiu realizar o seu objetivo após a morte de Kubrick em 1999, com HAL descrevendo sua mente no início de “Perfect Sense, Part I” durante os shows da turnê In the Flesh e, mais recentemente, na reedição de Amused to Death lançada em 2015, que além de um novo mix e da remasterização, ganhou também uma nova arte de capa. No momento em que a IA é o ponto central de discussões que impactam toda a sociedade, inclusive a música, o álbum soa ainda mais atual.

As letras, sempre carregadas com a acidez característica do discurso de Waters, trazem referências a canções do Pink Floyd. “The Bravery of Being Out of Rage”, por exemplo, possui um trecho que conversa com “Sheep”, presente em Animals (1977). Já “What God Wants, Part III” faz essa visita ao universo floydiano na forma de sutis citações instrumentais a “Shine On You Crazy Diamond”, “Echoes” e “Breathe (In the Air)”.

Como toda história contada por Waters, Amused to Death funciona melhor em conjunto, mas algumas de suas faixas andam sozinhas e acabam se destacando, como é o caso de “What God Wants, Part I”, “The Bravery of Being Out of Rage”, “It’s a Miracle” e da excelente canção homônima ao álbum, que fecha o trabalho de forma grandiosa.

Amused to Death é um trabalho complexo que que exige mais do que uma audição casual para ser compreendido. Mas todos os grandes discos não são assim?

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