Freedom: quando Neil Young voltou a ser Neil Young


Neil Young atravessou a década de 1980 de forma estranha, pra dizer o mínimo. Após escrever o seu nome na história do rock durante os anos 1970 com álbuns antológicos como Harvest (1972), Zuma (1975) e Rust Never Sleeps (1979), o músico canadense adentrou a nova década apostando em trabalhos mais experimentais e com novas abordagens sonoras. Teve eletrônica em Trans (1982), rockabilly em Everybody’s Rockin’ (1983) e discos fraquíssimos como Landing on Water (1986), o que motivou a gravadora Geffen, casa de Young na época, a abrir um processo contra Neil por ele estar fazendo música “que não representava a si mesmo”.

O vocalista e guitarrista retornou então para Reprise e colocou This Note’s For You nas lojas em 1988, que traz instrumentos de sopro como saxofone, trombone e trompete nos arranjos, o que deu um ar jazzístico para o trabalho. Ainda que um tanto inusitado, o álbum rendeu o primeiro hit de Neil Young na década, justamente a música que batiza o disco.

As coisas só retornaram de vez para os trilhos com o álbum seguinte, Freedom, lançado em outubro de 1989. Com uma estrutura que remete à dobradinha Rust Never Sleeps e Live Rust, ambos lançados dez anos antes, o disco teve como carro-chefe um dos grandes clássicos da carreira de Neil Young, a imortal “Rockin’ in the Free World”, presente em duas versões: a acústica, que abre o trabalho, e uma releitura elétrica ao vivo, fechando o play – apesar de semelhantes, as letras dessas duas versões apresentam algumas diferenças. Entre as duas, faixas que equilibram o lado rocker do canadense e a sonoridade folk e mais calma de sua personalidade artística. Acompanhado de chapas das antigas como Frank Sampedro (guitarrista da Crazy Horse) e feras como Rick Rosas (lendário baixista que tocou com nomes como Joe Walsh, Etta James e Jerry Lee Lewis, e que integrou a banda de apoio do supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young) e de Chad Cromwell (que tocou em álbuns e turnês de músicos como Mark Knopfler, Joss Stone e Bonnie Raitt, e outro que veio da banda que acompanhava o CSNY), Neil Young voltou a soar como Neil Young em Freedom.

O álbum traz doze músicas, e abre de forma arrepiante com uma versão acústica de “Rockin’ in the Free World”, que reconstrói automaticamente a atmosfera da mais do que clássica “My My, Hey Hey (Out of the Blue)”, primeira faixa de Rust Never Sleeps. O encerramento, com o canadense retornando com uma selvagem releitura elétrica de “Rockin’ in the Free World”, repete a sensação de familiaridade remetendo à atmosfera de “Hey Hey, My My (Into the Black)”, que encerra Rust Never Sleeps.

“Crime in the City (Sixty to Zero Part I)” é uma das melhores gravações da vida de Young, uma canção acústica cuja letra tem várias citações ao modo de vida e à hipocrisia do cidadão médio dos Estados Unidos. A interpretação de Neil varia entre o cinismo e a energia, enfatizando palavras-chave da letra. “Don’t Cry” é uma espécie de balada meio country, com as explosões de guitarra típicas de Young, que tornam a canção extremamente pesada em diversos momentos. O lirismo dá o tom de “Hangin’ on a Limb”, que conversa com a sonoridade acústica tanto de Harvest quanto de Comes a Time (1978), o mesmo acontecendo com “The Ways of Love”.

Um momento de emoção em Freedom acontece em “Eldorado”, composição espetacular com um sutil tempero western e que é outra que, desde o lançamento, entrou para a lista de grandes canções da carreira do canadense. A guitarra dessa faixa é uma das mais neilyounglescas que Neil Young já gravou, e mostra o quanto, além de vocalista incrível e letrista espetacular, ele também é um instrumentista bastante fora da curva. “On Broadway” vai na mesma linha, com a guitarra conduzindo os demais instrumentos em outro dos grandes momentos do álbum.

Pessoalmente, me incomoda o excesso de glicose presente em duas canções, “Someday” e “Wrecking Ball”, que não agregam nada ao trabalho e poderiam ter ficado de fora tanto por estarem abaixo das demais quanto por trazerem uma sonoridade que não conversa com o restante do álbum.

“No More” é um rock clássico que arrepia desde os primeiros acordes, uma música excelente que traz Neil Young derramando linhas vocais cheia de melodia e um tanto melancólicas sobre uma base instrumental simples, porém eficientíssima. A country “Too Far Gone” é outra que remete à sonoridade setentista, com elementos de álbuns como o já citado Comes a Time.

Freedom fez com que Neil Young retomasse o status de lenda do rock e deixasse para trás os conturbados anos 1980. Além disso, foi o início de uma das melhores, mais aclamadas e mais produtivas fases do músico canadense, que lançou na sequência outro grande álbum, Ragged Glory (1990), e deu ao mundo durante a década de 1990 trabalhos espetaculares como Harvest Moon (1992), Sleeps with Angels (1994), Mirror Ball (1995, tendo o Pearl Jam como banda de apoio) e Broken Arrow (1996), além dos ao vivos Weld (1991) e Year of the Horse (1997) e do Unplugged, gravado para a MTV em 1993.

A discografia de Neil Young é gigantesca e conta, até o momento, com 45 álbuns de estúdio e 12 discos ao vivo, além de dezenas de compilações, singles, trilhas sonoras e boxes. Freedom é, sem dúvida alguma, um dos pontos altos de toda a produção do compositor canadense, e um álbum obrigatório para todo fã de sua obra.

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