Pretensão, técnica e grandiosidade: Extreme e os três lados de um grande álbum


Um grande hit é uma benção, mas também uma maldição. Veja o caso do Extreme: a banda norte-americana ficou conhecida em todo o planeta com “More Than Words”, balada acústica presente em seu segundo álbum, Pornograffitti, lançado em 1990. Mas “More Than Words” era um peixe fora d’água na sonoridade do quarteto. O que o Extreme fazia era um hard extremamente técnico e com elementos de funk, e que, pela capacidade dos músicos, muitas vezes se aproximava até mesmo do prog metal.

O disco seguinte, III Sides to Every Story, deixou isso claro pra quem ainda não havia entendido. O álbum chegou às lojas em 14 de setembro de 1992 cercado de expectativa, afinal a banda tinha a responsabilidade de dar sequência a um hit planetário. E, claro, não conseguiu. III Sides to Every Story é um excelente disco, considerado pela maioria dos fãs o melhor trabalho do Extreme, mas não tem uma nova “More Than Words”. Isso pode ter sido decepcionante na época, mas os anos fizeram justiça ao álbum e ele envelheceu extremamente bem. O Extreme não tinha um novo mega hit, mas, em compensação, tinha um senhor disco nas mãos.

Produzido pelo guitarrista Nuno Bettencourt e pelo produtor Bob St. John (Collective Soul, Hootie & The Blowfish, Duran Duran), o álbum é conceitual e possui três capítulos - Yours, Mine e The Truth -, totalizando quatorze faixas. Cada um desses capítulos traz a banda explorando sonoridades distintas: o primeiro é mais hard rock, o segundo é bastante teatral e tem elementos de AOR, e o terceiro mostra o quarteto mergulhando em sua veia mais progressiva, enriquecida por uma abordagem que se assemelha à estrutura de uma ópera.

Uma curiosidade interessante é que o álbum contou com a participação de uma orquestra, e ela foi gravada em Abbey Road. A associação com os Beatles foi mais longe, com três canções do disco trazendo citações à banda inglesa. “Cupid’s Dead” cita uma linha da letra de “A Day in the Life” em seu primeiro verso, enquanto “God Isn’t Dead?” faz o mesmo com “Eleanor Rigby” logo na primeira frase cantada por Gary Cherone. Já “Rest in Peace” cita um trecho de “Give Peace a Chance”, música da carreira solo de John Lennon, em sua parte final.

Artisticamente, III Sides to Every Story é um trabalho bastante pretensioso, e isso se traduz em um álbum fora da curva e poderoso, que entrega uma experiência muito mais rica para o ouvinte do que um apanhado de baladas acústicas tentando reproduzir um hit global. A própria banda brinca com isso no final de “Rest in Peace”, segundo faixa do disco, que se encerra com uma levada acústica idêntica à “More Than Words”, em uma autorreferência bastante irônica. A performance é cirúrgica, com destaque para a guitarra sempre inventiva de Bettencourt e os arranjos grandiosos, notadamente no capítulo final. A parte inicial do álbum é o seu grande destaque, com canções mais diretas e pesadas como “Warhead” e “Color Me Blind”, as funkeadas “Rest in Peace” e “Politicalamity”, a excelente “Cupid’s Dead” (com andamento super quebrado e Nuno esmerilhando) e os mais de seis minutos de “Peacemaker Die”, com direito a trechos de discursos de Martin Luther King. “Tragic Come” entrega um enorme potencial radiofônico, e sua predominância acústica faz com que converse com o público que adotou a banda por causa de “More Than Words”, o mesmo valendo para a bonita “Our Father”, onde o destaque vai para a interpretação de Gary Cherone.

O álbum acabou também sendo o último da formação original do Extreme, já que o baterista Paul Geary deixou a banda em 1994 e fundou uma empresa de agenciamento de bandas chamada Global Artist Management, onde trabalhou com artistas como Godsmack, Smashing Pumpkins, Alter Bridge, Creed, Scorpions e muitos outros nomes, incluindo o próprio Extreme. Mike Mangini, atualmente no Dream Theater, foi o seu substituto.

O disco foi considerado um fracasso comercial, com vendas de apenas 500 mil cópias nos Estados Unidos, um decréscimo considerável em relação aos mais de 2 milhões de Pornograffitti. O álbum chegou ao décimo lugar no Billboard 200 e rendeu três singles: “Rest in Peace”, “Stop the World” e “Tragic Comic”.

Em III Sides to Every Story, o Extreme mostrou que era uma banda muito além do seu maior hit. E, ainda que o enorme sucesso de “More Than Words” tenha colocado o nome do grupo em evidência em todo o mundo, foi com esse disco que o talentoso quarteto formado por Gary Cherone, Nuno Bettencourt, Pat Badger e Paul Geary mostrou do que era capaz.


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