90125: quando o Yes reinventou o seu som para a década de 1980


Meu primeiro contato com o Yes se deu através de uma música presente em 90125. E não, não estou falando do hit “Owner of a Lonely Heart”, mas sim de outra canção. “Leave It” fez parte do álbum oficial da primeira edição do Rock in Rio, lançado em dezembro de 1984, poucos dias antes do início do festival. Ela está no tracklist ao lado de outras músicas que marcaram muito a minha adolescência, como “Private Idaho” do The B-52’s, “Head Over Heels” das Go-Gos, “New York, New York” de Nina Hagen e “Rock of Ages” do Def Leppard, além da canção tema do festival, de autoria de Eduardo Sousa Neto, com os versos inesquecíveis “todos numa direção, uma só voz, uma canção, todos num só coração ...”.

Lançado em novembro de 1983, 90125 é o décimo primeiro disco do Yes e marcou um recomeço para a banda. Um dos grandes nomes do rock progressivo, o quinteto inglês brilhou intensamente durante os anos 1970 em álbuns magníficos como Fragile (1971) e Close to the Edge (1972), mas também foi vítima dos excessos do gênero e apresentou um certo esgotamento criativo em discos medianos como Tormato (1978) e Drama (1980). O década de 1980 era um desafio para a banda, com o rock deixando de lado as composições intrincadas e os arranjos grandiosos do prog e explorando sons mais diretos, influência do punk e da new wave.

A banda se separou após Drama, e a ideia do baixista Chris Squire e do baterista Alan White era seguir por uma direção mais pop e acessível. A dupla então começou a trabalhar com o guitarrista e produtor Trevor Rabin e se reconectou com o tecladista original do grupo, Tony Kaye, que havia saído do Yes em 1971. O vocalista Jon Anderson, fora do grupo desde o racha ocorrido no início de 1981, aceitou o convite para retornar. Essa nova banda se chamaria Cinema, porém a gravadora ficou animada com o que ouviu e convenceu os músicos a retornarem como Yes, pois o trabalho teria muito mais impacto dessa forma.

Uma curiosidade a respeito de 90125 é que o curioso título faz referência ao número de catálogo do álbum nos arquivos da gravadora Atlantic, e as edições da época saíram com o cat number igual ao título. A minha edição em CD, que é um relançamento brasileiro de 2009, traz o número de catálogo M790125-2.


O disco cumpriu com sucesso o seu objetivo, atualizando a música do Yes para a nova década e fazendo a banda soar renovada sem perder o seu apelo. As faixas apresentam o raro equilíbrio entre acessibilidade e técnica, soando amigáveis para um público não habituado ao passado progressivo do quinteto, e fazem isso sem assustar os devotos já convertidos. A audição de forma retrospectiva, com o distanciamento de quase quarenta anos em relação ao lançamento, revela ainda outros predicados, como o envelhecimento saudável da sonoridade e dos timbres, o que, no geral, é uma exceção quando revisitamos álbuns lançados por bandas clássicas durante a década de 1980.

90125 abre com um dos maiores – senão o maior – sucesso comercial do Yes, “Owner of a Lonely Heart”. Dona de um riff contagiante, a canção entrega um groove irresistível e performances primorosas de todos os músicos. Lançada como primeiro single, segue sendo o seu grande cartão de visitas do disco. “Hold On” vem a seguir e é uma composição grandiosa, com linhas vocais sensacionais e um performance fortíssima de Jon Anderson, além de grande presença da guitarra de Trevor Rabin. “It Can Happen” inicia com um som semelhante a uma cítara, e se desenvolve com harmonias vocais excelentes. “Changes” talvez seja o melhor exemplo de equilíbrio entre o “velho” e o “novo” Yes, uma composição com andamento intrincado e instrumental complexo, feita sob medida para tocar o coração dos fãs e para mostrar que, apesar de sua nova abordagem musical, o Yes não havia deixado totalmente de lado o seu background prog.

“Cinema” é uma rápida instrumental com pouco mais de dois minutos que acaba funcionando como introdução para “Leave It”, canção espetacular com arranjos vocais inspiradíssimos, uma verdadeira aula de harmonia e composição. “Our Song” é outro dos grandes momentos do álbum, com uma dose maior de peso e um refrão cativante, além da habitual classe instrumental. “City of Love” entrega um andamento mais marcado, com Anderson conduzindo as melodias com seu vocal, concluindo tudo em um refrão amplificado pelo teclado de Tony Kaye, que imprime um tempero épico à faixa, além da performance inspirada de Rabin na guitarra. O álbum fecha com “Hearts”, sua canção mais longa, com mais de sete minutos. A melodia principal desta faixa remete à música japonesa, e mais uma vez temos arranjos vocais incríveis.

90125 chegou ao quinto lugar do Billboard 200 e vendeu mais de 3 milhões de cópias somente nos Estados Unidos, o que fez do álbum o maior sucesso comercial do grupo não só no mercado norte-americano, mas também em todo o mundo. Um exemplo de que, quando uma banda é formada por músicos de grande talento e com um mesmo objetivo, eles podem explorar qualquer sonoridade sem perder a qualidade sempre presente em seu trabalho.

Comentários

  1. É um bom álbum, mas se não tivesse ''Owner of a Lonely Heart'' seria um álbum comum como foram os que sucederam ele.

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