v. Spy v. Spy: o trio australiano que conquistou o público brasileiro


Formado em Sydney em 1981, o Spy vs. Spy (ou v. Spy v. Spy) foi uma das bandas mais populares entre o público brasileiro durante a década de 1990. Isso se deu por causa da associação do trio com o chamado surf rock, que na época era um rótulo aplicado aos grupos que a galera do surf ouvia e eram promovidos por revistas com a extinta Fluir. O som não tinha nada a ver com a origem do termo, que surgiu lá nos anos 1960 nas praias californianas através de nomes como o The Beach Boys. O surf rock da década de 1990 era, em suma, uma denominação para definir as bandas australianas do período, como Midnight Oil, Australian Crawl, Hoodoo Gurus, Ganggajang e outras, que caíram no gosto dos surfistas brasileiros. Musicalmente, todas essas bandas faziam um pop rock cheio de melodias solares, com refrãos fortes e bastante acessível, com grande apelo comercial.

O Spy era formado por Craig Bloxom (vocal e baixo), Michael Weiley (guitarra e vocal) e Cliff Grigg (bateria), um trio multinacional: Bloxom era americano, Weiley inglês e Grigg australiano. A banda sempre foi muito ativa politicamente desde o seu início. A primeira tour foi uma viagem por comunidades aborígenes, onde os músicos viram com os próprios olhos a situação desesperadora de um povo abandonado e com suas necessidades negligenciadas pelo governo australiano. Essa e outras experiências semelhantes influenciaram profundamente a banda, que adotou um discurso lírico comprometido com a luta por mudanças em relação ao povo original do continente australiano. As letras das músicas do Spy sempre abordaram fortemente temas sociais e políticos, principalmente questões relacionadas ao racismo e preconceito em relação aos aborígenes.


O trio afiou o seu som tocando em pubs, e assim conquistou uma legião de fãs fiéis, muitos deles jovens vindos dos subúrbios das principais cidades da Austrália. Com forte presença de palco e performances energéticas, ampliaram seu público show a show, e logo se tornaram uma das principais atrações da cena australiana do início da década de 1980. O primeiro álbum, Harry’s Reason, saiu no início de 1986 e abre com um dos maiores clássicos do grupo, a imortal “All Over the World”, hino entre os fãs do trio. No final do mesmo ano a banda soltou o seu segundo disco, A.O. Mod. TV. Vers., que trouxe outros dois clássicos para o catálogo: “Don’t Tear It Down” e “Use Your Head”. O enorme sucesso de “Don’t Tear It Down”, aliado aos ótimos shows, deu grande destaque local para o Spy vs. Spy, que se tornou uma das bandas australianas mais populares da segunda metade dos anos 1980.

O disco seguinte, Xenophobia (Why?), saiu em 1988 e coincidiu com a comemoração do bicentenário da Austrália. A data foi marcada por um debate intenso no país sobre as políticas governamentais e a atitude da sociedade em relação a temas como imigração, direitos dos aborígenes e a proposta de criação de um cartão de identidade nacional, temas que foram abordados pela banda nas letras. O álbum traz aquela que é, muito provavelmente, a música mais conhecida do v. Spy v. Spy, “Clarity of Mind”, que tocou muito mundo afora e até hoje é presença habitual em rádios rock. O sucesso fez com a banda rompesse de vez as fronteiras do país e partisse em turnês mundo afora.


O quarto álbum, Trash the Planet (1989), foi gravado na Inglaterra com o produtor Craig Leon, que já havia trabalhado com Ramones e Blondie, e trouxe uma mudança no som, com as músicas apresentando arranjos mais refinados e uma produção muito mais cheia, resultando em mais um single de sucesso, “Hardtimes”.

Cliff Grigg deixou a banda em 1991, o que motivou uma pausa para Craig Bloxom e Michael Weiley. A dupla se mudou para o estado de Queensland, região que abriga uma das maiores concentrações aborígenes do país, e foi calmamente fazendo audições com bateristas. O escolhido foi Mark Cuffe. Um novo contrato foi assinado com a Sony Music, e o resultado foi  o álbum Fossil (1993), que rendeu os singles “Comes a Time” e “One Way Street”. Foi nessa época que a banda se deu conta de sua enorme popularidade entre o público brasileiro, e o resultado dessa percepção foi a realização de várias turnês pelo país, com shows que aconteceram nos grandes centros e também cidades médias do interior do Brasil. O fato é o que o Brasil se consolidou como um dos maiores mercados para o Spy vs. Spy, que conquistou gerações de fãs entre o público brasileiro. Há inclusive um álbum ao vivo gravado por aqui e disponível apenas no Brasil, Feito na Praia, lançado em 2000 pela Tronador Music.


O grupo de uma pausa em 1994, com os integrantes iniciando novos projetos. Um retorno aconteceu em 1996, com Paul Wheeler assumindo a bateria no lugar de Cuffe. O interesse pelo grupo foi renovado em 1999 com o lançamento da compilação Mugshots – The Best of v. Spy v. Spy, com trinta canções reunidas em um CD duplo. O material incluiu cinco músicas inéditas.

A banda se despediu dos palcos em 2003, com um show em Sydney. Bloxom foi para os Estados Unidos por um tempo, e acabou se mudando depois para o México, onde iniciou uma carreira como chef. Ele acabou se profissionalizando na área culinária e retornou para a Austrália, e hoje vive e trabalha na cidade de Newcastle. Weiley e Cuffe tentaram um retorno do Spy em 2006, com Cuffe nos vocais e uma formação em quarteto com a adição do baixista Neil Beaver e do baterista Mick Laws, mas a iniciativa não vingou. Michael Weiley faleceu em setembro de 2018, vítima de câncer. Existe uma nova versão da banda atualmente, com o mesmo nome, liderada pelo baterista original Cliff Grigg, e que lançou um novo álbum em 2021 intitulado New Reasons. Atualmente, Crigg é acompanhado por Paul Elliot na guitarra e Paul Coxon no baixo – o trio se reveza nos vocais.


O v. Spy v. Spy foi uma banda muito marcante para quem cresceu durante a década de 1990. Seus hits estão impregnados na memória, e uma visita aos seus discos proporciona ótimas recordações. Minha coleção conta apenas com um item do grupo, a coletânea The Best of v. Spy v. Spy: The Spy File, lançada em 1991 e que cobre o material dos quatro primeiros álbuns. O álbum saiu no Brasil em 1993 pela Warner, e ganhou uma reedição em 2012 pela TL Records, já extinta. Existe também um VHS com o mesmo título reunindo os clipes do trio, lançado em 1992 na Austrália. O tracklist de The Spy File traz dezessete faixas, incluindo hits imortais como “All Over the World”, “Hardtimes”, “Clarity of Mind” e “Don’t Tear It Down”, além de canções excelentes como “The Golden Mile”, “Sallie-Anne”, “Harry’s Reasons?”, “Use Your Head”, “Credit Cards”, “Working Week”, “Our House” e “A.O. Mod”.

O trio australiano é uma dessas bandas que merecem ser resgatadas para uma nova geração de ouvintes. Com uma discografia curta, efetiva e repleta de grandes canções, é uma joia praticamente desconhecida pelo público atual.

Comentários

  1. No RS o legado do spy permanece com a banda Pipeliners. Com repertório principalmente dessas bandas australianas da época (spy, midnight, hoodoo gurus, australian crawl e muitas outras)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.