Dementia 21, a feroz e ácida crítica ao etarismo de Shintaro Kago


Quando foi lançado no Brasil pela editora Todavia no início de março de 2020, Dementia 21 se tornou o primeiro título do japonês Shintaro Kago a ser publicado em nosso país. Três anos e meio depois, a situação não mudou muito: além do primeiro volume de Dementia 21, a Todavia colocou no mercado também o segundo volume da série (lançado neste último mês de setembro de 2023), enquanto a editora New Pop publicou A Grande Invasão Mongol no início de outubro deste ano.

Shintaro Kago é um dos mais aclamados artistas de mangá das últimas décadas, e se tornou um dos expoentes do gênero ero guro nansensu, que une humor e erotismo (aspecto que não está presente neste título, importante mencionar) em roteiros que trazem histórias e artes nonsense e grotescas, muitas vezes também explorando ilustrações que conversam com o surrealismo. Meu primeiro contato com sua obra, e acredito que compartilhando essa experiência inicial com grande parte dos leitores brasileiros, se deu através de Dementia 21. O material da Todavia foi publicado no formato 23,8 x 17,2 cm, trazendo 280 páginas e capa brochura com orelhas com textos informativos.

O que encontramos em Dementia 21 é um insight criativo dos mais inusitados: as aventuras de uma cuidadora de idosos. O que parece apenas curioso logo se transforma em algo muito maior. A jovem Yukie Sakai, a personagem central, trabalha em uma grande empresa que oferece serviços especializados para idosos que necessitam de cuidados especiais. Essa empresa possui um sistema de premiação e ranqueamento das cuidadoras, e Yukie sempre se destaca das demais alcançando inevitavelmente a primeira posição, o que lhe dá acesso a benefícios exclusivos. A excelência de Yukie, ao invés de inspirar suas colegas, provoca o contrário, com uma de suas “amigas” fazendo a cabeça do gerente da empresa para que repasse para a garota apenas os clientes mais problemáticos e peculiares da empresa. A partir disso, mergulhamos em uma leitura que alia humor e doses enormes de absurdo.





O mangá traz dezessete histórias, e elas apresentam as experiências de Yukie com os idosos. Por trás de situações surreais como um cliente que é um super-herói aposentado que possui forma gigantesca, uma senhora que sofre de Alzheimer e ao esquecer das pessoas as apaga literalmente da existência e um surreal treinamento intensivo para atender os clientes da empresa, o que Shintaro nos apresenta é uma crítica nada tímida e muitas vezes ácida e irônica a respeito da forma como a sociedade japonesa – e, em diferentes níveis, a nossa própria sociedade – trata os idosos, enxergando-os como estorvos sem utilidade e que só estão ocupando espaços ou recebendo benefícios que seriam melhor aproveitados por pessoas mais jovens.

O que a princípio parecia uma leitura apenas curiosa, no final proporciona um questionamento super atual sobre questões relacionadas à terceira idade, etarismo e como encaramos a velhice, tudo feito através de uma arte extremamente imaginativa e algumas vezes até mesmo chocante, com roteiros que flertam com o surrealismo e o absurdo mas que, por justamente trazerem essas situações incrédulas, nos fazem pensar imediatamente em como estamos tratando todos esses temas na nossa própria realidade, seja como sociedade ou na esfera pessoal.

Excelente leitura, e que ainda possui um segundo volume, como comentado anteriormente nessa resenha, que já fiquei muito motivado a também conhecer.

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