Ainda que tenha produzido inúmeros hits que embalaram gerações, o rock brasileiro dos anos 1980 não foi pródigo em deixar para a história álbuns ao vivo marcantes. Podemos citar alguns exemplos como D (1987) do Paralamas, O Tempo Não Para (1988) de Cazuza, Go Back (1988) dos Titãs e Alívio Imediato (1989) dos Engenheiros, mas os exemplos são poucos. Porém, um dos registros mais seminais e verdadeiros dessa época é Viva, lançado pelo Camisa de Vênus em julho de 1986.
Na discografia da banda baiana, Viva é o terceiro álbum, sucedendo a estreia autointitulada de 1983 e Batalhões de Estranhos (1985). Logo na sequência, a banda lançaria em novembro de 1986 o seu terceiro trabalho de estúdio, Correndo o Risco, que solidificou o grupo do vocalista Marcelo Nova como um dos principais nomes do rock nacional.
Viva foi gravado em Santos, em um show realizado no dia 8 de março de 1986 no Caiçara Music Hall. O motivo para o lançamento do disco é curioso: André Midani, chefão da WEA, ficou impressionado a banda e propôs um contrato. Marcelo explicou que o grupo ainda devia um disco para a RGE, gravadora que lançou os dois primeiros trabalhos do quinteto. Midani se acertou com a RGE e participou ativamente do planejamento para o ao vivo, indicando o produtor Pena Schmidt para comandar o projeto. Foi em Viva que o Camisa iniciou a sua relação com Pena, que seria vital para a trajetória da banda, produzindo os álbuns Correndo o Risco e Duplo Sentido (1987), além do primeiro álbum solo de Marcelo Nova ao lado da Envergadura Moral (1988).
O tracklist da edição original em vinil traz dez faixas, que foram expandidas para dezesseis quanto o disco foi lançado em CD. A ordem das canções inclusive é diferente nas versões em LP e CD, com versões de estúdio de “Negue”, “Dogmas Tecnofacistas”, “Lena”, “Gotham City”, “Ladrão de Banco”, “Batalhões de Estanhos” e “Coiote no Cio” retiradas dos dois álbuns anteriores e presentes somente na edição em CD. Já a edição em vinil possui uma música, “Rotina”, que não foi incluída no CD.
A participação do público é marcante, impulsionada por uma performance cheia de energia. A produção não maquiou os “erros” do show, com microfonias e pequenas escorregadas na execução sendo mantidas. As versões para clássicos como “Eu Não Matei Joana D’Arc”, “Hoje” e “Beth Morreu” são incendiárias e estão entre os pontos altos. Marcelo reescreveu a letra da clássica “My Way”, eternizada por Frank Sinatra e que havia ganhado uma versão antológica dos Sex Pistols em The Great Rock ‘n’ Roll Swindle (1979). Outros destaques vão para “Metástase” e “O Adventista”, apresentada de forma irônica como “o hino da nova república”, fazendo alusão ao momento político que o Brasil vivia na época.
Porém, Viva também traz a canção mais polêmica do Camisa da Vênus, “Sílvia”, que nasceu de uma brincadeira da banda em cima de “Sorrow”, música do grupo norte-americano The McCoys que se tornou muito conhecida pela releitura de David Bowie presente no álbum de covers Pin Ups (1973). A letra de Marcelo Nova é extremamente machista, falando da relação de um homem com a mulher que o traiu e incluindo frases bastante problemáticas que envelheceram muito mal e seguem chocantes. Além disso, a gravação original presente no LP trazia um discurso de apresentação da canção informando que ela era uma homenagem da banda ao Dia Internacional da Mulher, fala essa que foi excluída na versão em CD.
O álbum não foi enviado para a análise prévia da censura, prática comum na época, o que levou o disco a ser recolhido das lojas em meados de setembro de 1986, quando o LP já havia vendido quase 100 mil cópias. Após o recolhimento, o álbum retornou para as lojas com nada menos que oito de suas dez faixas com aviso da censura informando que possuíam linguagem inapropriada. Toda a polêmica acabou beneficiando a banda, com Viva superando a marca de 180 mil cópias comercializadas e rendendo um Disco de Ouro para o grupo.
O Camisa de Vênus sempre foi um dos nomes mais originais do rock brasileiro, e Viva mostra isso de forma exemplar. Trata-se de um álbum que fez história e marcou a história da banda, e é inegavelmente um dos grandes registros ao vivo do rock brasileiro.
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