Esta é uma HQ incômoda. Ferréz revisita o seu livro de estreia, o clássico Capão Pecado, e conta a história de Carimbê, um dos personagens da obra. A parceria com o ilustrador Doug Firmino torna a experiência de leitura ainda mais visceral. A HQ acabou de ser publicada pela Comix Zone em uma edição em capa dura com 152 páginas impressas em papel pólen de alta gramatura.
O primeiro elogio vai para o texto de abertura, em que Ferréz escreve sobre os rostos esquecidos como o de Carimbê, que habitam o Brasil de norte a sul. Pessoas que vivem à margem da sociedade e que só são lembradas quando precisamos de um serviço que ninguém mais faz, ou quando suas vidas viram mera estatística.
O quadrinho acompanha Carimbê, o personagem principal, pedreiro que trabalha de sol a sol no Rio de Janeiro e divide um alojamento com os outros operários da obra. Para sobreviver, bebe doses enormes de álcool todos os dias. E isso, logicamente, interfere na sua vida, tanto pessoal quanto profissional. Ele vive como um pária, uma presença incômoda que as pessoas não querem ter por perto, e só encontra abrigo no álcool e em outros indivíduos em situação parecida com a sua.
O roteiro nos convida a uma jornada emocional intensa, alternando momentos de empatia e compaixão com sentimentos mais ambivalentes diante da trajetória trágica de um personagem tão sem futuro e perspectivas como Carimbê. Há passagens muito pesadas, e tudo é intensificado pela arte peculiar de Doug Firmino. Se Capão Pecado é apontado como um clássico da literatura marginal brasileira, a arte de Firmino é uma das grandes responsáveis por levar a HQ por um caminho semelhante. O seu traço é sujo, underground e nada refinado, e isso cria uma atmosfera estética que conversa perfeitamente com o texto escrito por Ferréz.
Há muitos Carimbês Brasil afora, e você certamente já conheceu alguns deles. O de Ferréz e Firmino foi eternizado neste quadrinho, que é ao mesmo tempo excelente e desconfortável, belo e tenso.
Recomendo a leitura.
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