Quadrinhos: Contra a Natureza, de Mirka Andolfo (2019, Panini)

Contra a Natureza é uma obra da quadrinista italiana Mirka Andolfo que parece ter passado batida pelo público brasileiro. A Panini reuniu as primeiras doze edições da série em uma edição de 304 páginas publicada no mundo pré-pandemia, em 2019. Só tive conhecimento da HQ agora, e ela me surpreendeu em alguns pontos.

A história se passa em um mundo habitado por personagens antropomórficos e tem como centro uma porquinha sensual chamada Leslie, que está sendo incomodada por sonhos estranhos onde vive experiências sexuais com um lobo. Em um primeiro momento, esse resumo parece levar a uma espécie de Peppa Pig mais hot, porém a leitura revela camadas bem mais interessantes. Mirka utiliza o antropomorfismo para fazer uma crítica nada sutil à homofobia, à xenofobia, ao racismo e a todo tipo de preconceito contra os que são considerados diferentes. No universo de Contra a Natureza (cujo título original é Unnatural), é proibido que espécies diferentes se relacionem e procriem, para que as raças sejam mantidas puras. Não precisa nem ativar o Tico e Teco para associar essa premissa a um certo psicopata austríaco que governou a Alemanha nas décadas de 1930 e 1940 e que até hoje assombra a humanidade.

Apesar dessa abordagem, o quadrinho acaba se perdendo ao apresentar diversas passagens sensuais que, ao longo da leitura, se mostram dispensáveis. Por exemplo: não era preciso criar páginas e páginas com Leslie nua para transmitir a ideia da sua relação com o lobo que habita seus sonhos. Isso poderia facilmente ser resolvido de uma maneira menos apelativa. A sexualização exagerada dos corpos femininos enfraquece o discurso importante e atual proposto pela HQ.

O roteiro é bem escrito, ainda que tenha passagens que tentam soar mais complexas, mas acabam não funcionando tão bem assim. A arte é agradável, com um excelente trabalho de colorização e diagramações que fazem os personagens transmitirem uma sensação permanente de dinamismo.

A edição da Panini conclui o primeiro arco da série, que possui mais dois encadernados publicados na Itália. O material vem em capa dura com papel couchê, e teve tradução de Júlio Schneider. No final temos uma longa galeria de capas, trazendo, além das artes originais de Mirka, ilustrações de artistas como Milo Manara, Matteo Scalera e outros.

Contra a Natureza é um quadrinho interessante, mas que poderia ser mais forte e ter a sua mensagem super importante melhor transmitida com um roteiro melhor trabalhado e sem o exagero da sexualização apresentada.