Quadrinhos: Indians! A Sombra Negra do Homem Branco, de Tiburce Oger (2024, QS Comics)


A história é contada pelos vencedores. E, quando o vencedor é um país com o poderio econômico, cultural e comportamental como os Estados Unidos, isso fica ainda mais evidente. Indians! A Sombra Negra do Homem Branco, HQ do quadrinista francês Tiburce Oger, vai na contramão e mostra o outro lado da história americana, focando no massacre dos povos originários indígenas que habitavam a América do Norte antes da chegada dos europeus, que desembarcaram no Novo Mundo no final do século XV. Oger construiu em Indians uma antologia, convidando diversos ilustradores para darem vida aos seus textos. A HQ saiu em 2022 na França e chegou ao Brasil em novembro deste ano, lançada pela editora QS Comics em uma edição em capa dura com 136 páginas em papel couchê, com tradução de Alessandra Bonrruquer.

A leitura proporciona um outro olhar sobre um dos capítulos mais importantes da história humana: a colonização das Américas. Oger apresenta uma visão visceral e cronológica de como a chegada do homem branco ao solo que se tornaria os EUA transformou completamente a vida das quase um milhão de pessoas que já viviam há séculos naquela terra – estima-se que os primeiros povos chegaram à América do Norte há aproximadamente quinze mil anos.

Ao contrário de muitas narrativas que romantizam o Velho Oeste e se tornaram títulos populares entre os fãs de quadrinhos de faroeste, como o clássico italiano Tex, por exemplo, Indians coloca o ponto de vista dos nativos em primeiro plano. O roteiro usa fatos e personagens que realmente existiram, e explora as tradições, as crenças e as lutas diárias dos indígenas, humanizando-os e mostrando o impacto devastador da colonização em suas vidas. Oger não poupa detalhes ao retratar a violência, a exploração e a desumanização sofridas pelos povos indígenas. A obra não romantiza o passado e nos confronta com a dura realidade da conquista, mostrando as consequências de um encontro marcado pela ganância, pelo preconceito e pela imposição da força. Como citado na introdução da HQ, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou, em 1823: “O direito de conquista é adquirido e mantido pela força”.

Os exploradores europeus são retratados sem filtros, mostrados como homem brancos cheios de ganância e arrogância, que se sentiam superiores aos nativos e no direito não apenas de tomar suas terras, mas também de censurar as diferentes religiões que existiam há séculos e impor o cristianismo como a única crença realmente válida. O impacto foi devastador, forçando os indígenas a migrações forçadas para regiões cada vez mais remotas. Foram mais de dois séculos de confrontos sangrentos entre indígenas e europeus, totalizando mais de 1.200 batalhas. No total, foram assinados 370 tratados com as tribos, nenhum deles cumpridos pelos exploradores, que, no processo, tomaram posse de mais de 400 milhões de hectares em menos de cem anos.

Em relação à arte, apesar da variação de ilustradores, a HQ consegue manter uma identidade. Um ou outro nome acaba se destacando tanto positiva quanto negativamente, mas no geral o resultado é bem homogêneo. A variedade de estilos contribui para a imersão na narrativa, pois cada artista, com sua personalidade visual, imprime um caráter único a cada período histórico retratado.

Indians! A Sombra Negra do Homem Branco é uma das HQs mais impactantes que li em toda a minha experiência como consumidor de quadrinhos. Ela não é apenas uma história em quadrinhos, mas também um documento histórico que nos ajuda a compreender melhor o passado ao levantar questões importantes sobre a identidade, a cultura e a luta por justiça, temas que sempre serão relevantes, seja no passado, no presente ou no futuro.

Para encerrar, gostaria de citar um trecho presente na obra e que me impactou muito. Trata-se de uma fala atribuída ao chefe Shawnee Tecumseh, que, ao saber da venda por parte dos índios Manhattes do pedaço de terra que se transformaria na Ilha da Manhattan, negociado com um representante da Companhia das Índias Ocidentais, reagiu de forma perplexa: “Vender a terra? Por que não vender também o ar, as nuvens e o oceano? O Grande Espírito não os criou para o usufruto de todos os seus filhos?”.

A história nos conta que os brancos eram os civilizados. Os fatos, no entanto, mostram que os verdadeiros sábios sempre foram os indígenas.

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