Publicada em quatro volumes lançados entre 2009 e 2019, O Papa Terrível foi compilado na Europa em uma única edição integral, que também foi publicada no Brasil pela editora Conrad em capa dura com 232 páginas, incluindo extras. A tradução é de Eduardo Nasi.
O Papa Terrível: A História de Júlio II é a sequência de Bórgia. Ambas as HQs foram escritas por Alejandro Jodorowsky e se passam no final do século XV e início do XVI, tendo como foco a luta pelo poder na Igreja Católica. Enquanto Bórgia foi ilustrada por Milo Manara, em O Papa Terrível a ilustração ficou a cargo do também italiano Theo. Porém, há uma diferença muito grande entre as duas histórias: em Bórgia, Jodorowsky é fiel aos acontecimentos que transformaram a família homônima em um dos mais famosos e depravados clãs do catolicismo, enquanto que em O Papa Terrível o apego aos fatos reais não foi uma de suas prioridades.
A história começa imediatamente após o final de Bórgia e acompanha a trajetória do cardeal Giuliano Della Rovere ao topo da Igreja Católica, onde assume como Júlio II e tem um papado de dez anos. Júlio II realmente existiu, ele foi realmente o sucessor de Alexandre VI (o nome adotado por Rodrigo Bórgia quanto virou Papa) e seu mandato foi marcado por um abrangente trabalho como mecenas, patrocinando artistas lendários como Michelangelo e Rafael. Foi durante o período de Júlio II que obras celebradas como a Capela Sistina, pintada por Michelangelo, e as salas papais, com artes de Rafael, foram produzidas. Além disso, Júlio II foi o idealizador da reforma da Basílica de São Pedro, cuja conclusão ocorreu após a sua morte.
Esses aspectos são abordados em O Papa Terrível, mas Jodorowsky preferiu focar em outros pontos para construir a sua narrativa. Assim como Bórgia, a obra dá muito destaque para o sexo e a violência. Porém, ao contrário da saga da família que deu ao mundo figuras marcantes como Rodrigo e Lucrécia Bórgia, cujas polêmicas foram documentadas e comprovadas, o que o roteirista conta sobre Júlio II em O Papa Terrível nunca foi comprovado. Há suposições, há discussões, mas nunca houve comprovações a respeito da sexualidade do Papa e dos atos chocantes relatados na HQ. Ainda que o roteiro seja bem construído e proporcione uma experiência de leitura interessante, em muitos momentos temos a sensação de que a abordagem propositalmente polêmica de Jodorowsky é gratuita e está ali apenas para ilustrar as suas críticas à religião, mais precisamente ao Catolicismo. Isso não compromete a obra, mas certamente coloca O Papa Terrível em um nível inferior não só em relação a Bórgia, mas também a outras obras em que Jodorowsky explora o tema da religião, como as excelentes Juan Solo e Os Filhos de El Topo.A arte de Theo é excelente, com personagens bastante expressivos e planos que mostram toda a riqueza arquitetônica e estética da Renascença, período em que a trama se passa. Ele possui um traço que contrasta com o refinamento de Manara, mas que funciona muito bem em uma história como O Papa Terrível, que em muitos aspectos intensifica o que vimos em Bórgia.
O resultado final é uma boa HQ, mas que perde pontos pela sensação de gratuidade com que Jodorowsky explora a sexualidade e a violência. Parece que o roteirista quis apenas chocar apenas por chocar, deixando de lado aspectos que poderiam ser muito melhor desenvolvidos. Se você se interessa por obras com essa pegada, Bórgia ainda é imbatível, e as citadas Juan Solo e Os Filhos de El Topo também são altamente recomendadas.
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