The Last Will and Testament é o décimo quarto álbum do Opeth, o primeiro trabalho do grupo em cinco anos e um dos melhores discos da carreira dos suecos. Sucessor de In Cauda Venenum (2019), conduz a ampla sonoridade do quinteto liderado pelo vocalista e guitarrista Mikael Åkerfeldt para frente, como sempre aconteceu durante toda a discografia do grupo. O Opeth sempre foi uma banda inquieta e nunca gravou o mesmo álbum, fugindo da repetição e acreditando na inovação como ferramenta vital para sua evolução artística. Com The Last Will and Testament não é diferente. O álbum conversa com os quatro discos anteriores do grupo ao mesmo tempo em que resgata elementos mais pesados, marcando inclusive o retorno dos vocais guturais de Åkerfeldt, ausentes desde Watershed (2008).
É importante entender o conceito por trás de The Last Will and Testament. Trata-se de um álbum conceitual ambientado no pós-Primeira Guerra Mundial e que revela a história de um patriarca rico e conservador (cuja esposa é infértil). O álbum começa com a leitura do testamento do pai em sua mansão, revelando segredos familiares chocantes. Entre os presentes estão três irmãos, meninos gêmeos e uma menina, que, apesar de ser órfã e portadora de poliomielite, foi criada pela família. Sua presença na leitura do testamento levanta suspeitas e questionamentos entre os gêmeos, que acreditam ser filhos biológicos do patriarca. Porém, durante a leitura, descobrem que não são parentes do suposto pai e são deixados de fora do testamento. A menina é a única filha de sangue e, portanto, sua verdadeira herdeira. As músicas não possuem títulos e são identificadas apenas como “§1” (capítulo um) e assim por diante, como se estivéssemos acompanhando a leitura do testamento. A única exceção é a faixa de encerramento, “A Story Never Told”.
É preciso destacar a presença de Ian Anderson, do Jethro Tull, que não apenas toca a sua flauta em várias faixas como também narra alguns momentos do disco. Joey Tempest, vocalista do Europe, também marca presença fazendo backing vocals.
The Last Will and Testament oferece uma experiência totalmente imersiva, partindo da capa e conceito visual e chegando até à música. As oito faixas se entrelaçam em uma trama contínua, funcionando como uma grande suíte de mais de cinquenta minutos. A musicalidade é intensa, com arranjos e soluções que surpreendem. A força percussiva é um dos destaques imediatos, com o baterista estreante Waltteri Väyrynen trabalhando em uma sintonia quase siamesa com o baixista Martin Méndez. A abordagem progressiva remeta a pérolas setentistas, fugindo totalmente das referências mais mainstream.
O retorno dos vocais guturais é anunciado logo no início da primeira canção, e mesmo sendo um elemento que conversa diretamente com o passado death metal da banda, isso não se reflete na parte instrumental, que emerge de forma complexa e belíssima, totalmente focada nas influências progs. Os riffs de Mikael Åkerfeldt e Fredrik Åkesson se desenvolvem de forma ascendente e a banda explora diversas passagens hipnóticas ao longo do álbum, como já fica claro logo na primeira canção. O tecladista Joakim Svalberg, parte fundamental na sonoridade do Opeth contemporâneo, esbanja bom gosto com uma ampla gama de sons que passam pelos teclados Hammond, Melotron, Fender Rhodes e Moogs, dando um ar vintage muito bem-vindo ao trabalho. Os vocais de Åkeferdt são um capítulo à parte, com a alternância entre o timbre limpo e o gutural construindo dinâmicas sensacionais, devidamente amparadas pelos backing vocals de toda a banda.
Entre as faixas, destaque para a ótima canção de abertura “§1”, o peso e as melodias orientais de “§3”, as grandes variações musicais de “§4” – com direito a uma passagem arrepiante com a flauta de Ian Anderson -, a sensacional e jazzística “§5” e a intrincada “§6”.
O Opeth já se provou ser uma banda única e excelente inúmeras vezes em sua carreira, e aqui faz isso mais uma vez. The Last Will and Testament é um álbum ótimo em (e para) todos os sentidos, e, pessoalmente, o meu preferido da fase atual da banda, iniciada em Heritage (2011).
A edição nacional foi lançada pela Valhall Music em CD jewel case com OBI e encarte desdobrável trazendo o testamento abordado no álbum, porém sem as letras, que, pelo que pesquisei, só foram incluídas nas edições deluxe do CD.
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