As Vozes da Água: quando a mente transborda (Tiziano Sclavi e Werther Dell'Edera, 2025, Editora Lorentz)


Publicada em 2019 na Itália, As Vozes da Água marcou o retorno de Tiziano Sclavi, criador de Dylan Dog, aos quadrinhos, após alguns anos afastado em uma espécie de aposentadoria autoimposta. A história tem como personagem principal um homem chamado Stavros, que vive isolado em seu apartamento, numa cidade sempre chuvosa. Ele tem medo do mundo, evita sair, e sua mente está cheia de paranoia. 

Stavros tem uma doença mental (o quadrinho sugere esquizofrenia), o que faz com que ele ouça vozes vindas da água: do ralo, do chuveiro, da pia... Elas representam os pensamentos que ele tenta reprimir: memórias, medos, julgamentos, traumas, e principalmente, sua solidão. A água que escorre traz essas vozes — como se o inconsciente estivesse tentando sair pelos canos. Em vez de trazer paz, a água traz tormento.

A narrativa não é linear — acompanhamos recortes da vida de Stravos. Ele conversa com vizinhos (ou talvez imagine essas conversas), vive um relacionamento, experimenta o cotidiano do trabalho, sente medo constante, e aos poucos vai perdendo a linha entre realidade e delírio. Há momentos em que ele acredita que está sendo seguido, espionado, ou que vai ser punido por algo que nem sabemos se aconteceu.

A arte de Werther Dell'Edera amplifica a sensação transmitida pelo texto de Sclavi. Ela é suja, intensa, até mesmo etérea em alguns momentos, acompanhando a desfragmentação mental que o personagem experimenta.



A HQ não conta uma história "de começo, meio e fim". Sclavi quer que o leitor sinta o que é viver com distúrbios mentais — a paranoia, a angústia, a ansiedade, a sensação de ser esmagado pelo mundo. É um grito silencioso sobre a solidão e a saúde mental. O próprio Tiziano Sclavi passou por isso, e essa história é como um desabafo existencial.

As Vozes da Água é uma obra que não busca oferecer respostas, mas provocar sensações — e o faz com uma intensidade rara. Ao mergulhar na mente fragmentada de Stavros, o leitor é convidado a experimentar, mesmo que por instantes, o peso da solidão, do medo e da confusão mental. Com uma narrativa corajosa e profundamente pessoal, Tiziano Sclavi transforma o delírio em linguagem artística, entregando uma HQ que ecoa como um sussurro inquieto, vindo das profundezas da alma — ou de um cano qualquer, onde a mente transborda.

O quadrinho foi publicado no Brasil pela Editora Lorentz em uma edição em capa dura, formato 16x24 e com tradução de Paulo Guanaes.


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