#DRCL Midnight Children 01: sangue novo nas veias de um clássico (Shin’ichi Sakamoto, 2025, Panini)


Desde que Drácula foi publicado em 1897 pelo escritor irlandês Bram Stoker, a história do mais famoso vampiro da literatura já passou por incontáveis adaptações e releituras. De obras consagradas, como o filme dirigido por Francis Ford Coppola em 1992, até versões menos lembradas, há praticamente de tudo envolvendo o lendário conde da Transilvânia.

#DRCL Midnight Children é um mangá escrito e ilustrado pelo autor japonês Shin’ichi Sakamoto, cuja publicação teve início em 2021, no Japão. No Brasil, a obra chegou em março de 2025 pela Planet Manga, selo da editora Panini voltado aos quadrinhos orientais. A série segue em andamento no Japão, com cinco volumes lançados até agora, numa média de um por ano.

O que Sakamoto entrega aqui é uma das reinvenções mais ousadas e intrigantes de Drácula dos últimos tempos. Mais do que uma simples adaptação, a obra toma como ponto de partida os personagens, ideias e atmosferas criadas por Stoker, mas não se prende a elas. O autor reinterpreta a essência da narrativa com liberdade criativa, desconsiderando dogmas e propondo surpresas a cada capítulo — algo raro e revigorante quando se trata de uma história tão conhecida.

A trama tem início com um navio russo carregando estranhos caixotes cheios de uma terra misteriosa. Desde o embarque, a tripulação é tomada por um mal-estar crescente — um cheiro pútrido, uma sensação de presença obscura — até que o que está dentro das caixas é liberado, mergulhando todos em horror. Quando a embarcação chega a uma cidade portuária inglesa, está completamente deserta, navegando como um fantasma à deriva.


É nesse cenário que surgem personagens familiares da obra original, agora retratados como adolescentes em um colégio inglês majoritariamente masculino. Mina Murray é a única garota da escola. Já Lucy Westenra, aqui reimaginada como Luke, é um jovem com identidade de gênero fluida, alternando entre suas expressões masculinas e femininas. Essa escolha reforça a proposta do autor de trabalhar com temas contemporâneos, como identidade, desejo e transformação. É Lucy/Luke quem acaba sendo tomado pelo espírito de Drácula, conduzindo a narrativa por novos e inesperados caminhos.

Visualmente, #DRCL Midnight Children é deslumbrante. A arte de Sakamoto impressiona pelos detalhes, pelo uso marcante de luz e sombra e por composições que misturam o grotesco e o belo com naturalidade. As expressões faciais seguem a estética dramática típica dos mangás, mas isso não compromete a leitura. Destaque para o retrato sempre andrógino de Lucy/Luke, que reforça sua ambiguidade de maneira poderosa. Do ponto de vista narrativo, a leitura pode ser um pouco desafiadora: a história apresenta saltos temporais e fragmentações que exigem atenção redobrada por parte do leitor.

Neste primeiro volume, Drácula atua mais como uma presença sugerida do que como figura explícita. Suas aparições são pontuais, o que acentua a tensão e o clima sombrio da obra. Van Helsing, seu clássico antagonista, ainda não dá as caras — está previsto para aparecer apenas no segundo volume.

Com 246 páginas e artes coloridas nas primeiras páginas, a edição brasileira de #DRCL Midnight Children Vol. 1 conta com tradução de Luana Tucci. A publicação inclui um marcador de páginas exclusivo e um adesivo, e se destaca também pelo projeto gráfico: a capa remete a livros antigos, reforçando o elo com o material clássico. O segundo volume já foi anunciado pela Panini e encontra-se em pré-venda, com entrega prevista para o final de maio.

Com uma estética impressionante e escolhas narrativas ousadas, #DRCL Midnight Children propõe não apenas uma nova versão de Drácula, mas uma experiência sensorial e simbólica que reverbera temas do passado à luz de questões contemporâneas. Ao mesmo tempo que homenageia o original de Bram Stoker, a obra de Sakamoto abre caminho para novas interpretações do mito, mostrando que, mais do que nunca, os monstros continuam entre nós — e talvez dentro de nós.


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