Dylan Dog Gigante #1: três facetas do horror, três olhares sobre a condição humana (2025, Editora Lorentz)
Publicado originalmente em janeiro de 1993, Dylan Dog Gigante #1 é mais do que uma simples expansão do universo do Investigador do Pesadelo: trata-se de uma antologia densa, melancólica e por vezes absurda, que sintetiza os principais elementos que fizeram de Dylan Dog uma das criações mais cultuadas da escola italiana de quadrinhos. Com roteiro de Tiziano Sclavi — criador do personagem — e participação de Mauro Marcheselli em uma das histórias, o volume é ilustrado por três artistas essenciais da série: Giampiero Casertano, Bruno Brindisi e Ugolino Cossu. O resultado é um mergulho profundo nas diferentes formas que o horror pode assumir quando confrontado com os dilemas humanos.
Inspirada no tradicional formato Tex Gigante, publicação anual de histórias completas com o ranger mais famoso da Bonelli, a série Dylan Dog Gigante manteve o espírito inquieto e reflexivo que caracteriza o personagem e foi tão bem-sucedida que se manteve por mais de duas décadas: até o momento, conta com 22 volumes publicados na Itália, com o último número lançado em 2013.
Abrindo o volume com sensibilidade e lirismo, Totentanz transforma uma noite de Halloween em uma jornada silenciosa por memórias, traumas e amores esquecidos. Dylan Dog é conduzido por Hope, uma figura etérea que lembra uma fada dos cemitérios, em uma espécie de desfile de almas que clamam por serem lembradas. Totentanz é um poema sombrio sobre o esquecimento e a fragilidade da existência. A arte de Casertano realça a aura melancólica do roteiro, transformando o sobrenatural em algo que não assusta, apenas comove.
Na segunda história, Crimes de Amor, Sclavi adota uma abordagem mais direta e psicológica. Dylan persegue um assassino cujos atos parecem ressoar com algo familiar — e aterrador — dentro de si mesmo. O horror aqui não é externo, mas interior: é a possibilidade de que a escuridão do mundo também habite quem tenta combatê-la. A arte de Bruno Brindisi empresta dinamismo à narrativa, reforçando a tensão e os dilemas morais do protagonista. Trata-se de um conto de ambiguidade e dúvida, onde o bem e o mal se confundem, e a linha entre caçador e presa se desfaz.
Encerrando o volume, O Dia do Juízo Final opta pelo caminho do absurdo. Um anjo abatido por um míssil, mortos saindo das tumbas e um julgamento divino que parece mais um delírio coletivo do que um evento celestial. Ugolino Cossu, com seu traço expressivo e carregado de movimento, transforma a narrativa em um carnaval macabro. Sclavi brinca com os clichês religiosos, zombando da ideia de justiça absoluta ao mostrar um mundo em que o caos substitui qualquer tipo de ordem cósmica. É a história mais alucinada do volume — e, talvez por isso mesmo, a mais política e provocadora.
O que une essas três histórias é a forma como todas lidam com o horror como metáfora: para o esquecimento (Totentanz), para a culpa (Crimes de Amor), e para o vazio espiritual (O Dia do Juízo Final). Em vez de monstros tradicionais, temos almas perdidas, assassinos confusos e apocalipses sem sentido. É a visão de Sclavi em sua forma mais pura: um autor interessado menos em assombrar e mais em refletir.
A aguardada publicação de Dylan Dog Gigante #1 no Brasil só aconteceu em 2025, mais de três décadas após seu lançamento original. A edição ficou a cargo da Editora Lorentz, que trouxe o volume em formato luxuoso, com acabamento de alta qualidade, preservando o tamanho gigante da publicação italiana e apresentando as três histórias tratamento editorial primoroso. A iniciativa marca um momento especial para os fãs brasileiros de quadrinhos italianos, que há anos clamavam pelo resgate dessa obra essencial da Bonelli.
Dylan Dog Gigante #1 é uma das melhores portas de entrada para o universo do personagem — especialmente para leitores que buscam mais do que sustos. A variedade de estilos, tanto narrativos quanto visuais, dá ao volume uma profundidade rara em antologias. Longe de ser apenas um especial de luxo, ele se firma como uma obra-prima multifacetada, onde cada história serve como um espelho escuro das angústias humanas. Leitura obrigatória para quem acredita que os quadrinhos de horror também podem ser poesia — e que o medo, no fundo, é apenas mais uma linguagem da alma.
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.