Poucos autores conseguiram capturar com tanta sensibilidade os pequenos dramas da vida cotidiana quanto o canadense Michel Rabagliati. Sua série Paul, iniciada em 1999 e ainda em andamento, é um testemunho da força narrativa dos quadrinhos quando voltam o olhar para a vida comum, com seus dilemas familiares, memórias nostálgicas, fracassos silenciosos e alegrias discretas.
Embora no Brasil ainda seja pouco conhecido, Rabagliati já é
considerado um dos grandes nomes da chamada “autobiografia ficcionalizada” nas
HQs — uma vertente que mistura vivências pessoais com liberdade narrativa. Seu
alter ego, Paul, aparece em todos os volumes da série como protagonista ou
observador. Por meio dele, o autor reconstrói episódios marcantes de sua vida e
do Canadá francófono, especialmente da cidade de Montreal.
O traço limpo e expressivo, quase cartunesco, remete ao
estilo da linha clara europeia, mas com toques muito pessoais. A narrativa é
sempre fluida, e o texto, equilibrado entre o humor leve e a melancolia. Os
volumes não precisam ser lidos em ordem, mas há uma progressão emocional ao
acompanhar Paul ao longo de sua vida, da adolescência aos dilemas da
meia-idade.
Abaixo, apresentamos os títulos da série, em ordem
cronológica de publicação, com um breve resumo de cada um. No Brasil, apenas
dois volumes chegaram ao público até agora: A Canção de Roland e Paul
em Casa, ambos publicados pela Comix Zone.
1. Paul à la campagne (Paul no Campo, 1999)
Volume de estreia da série, é uma coletânea de histórias
curtas, misturando memórias de infância, descobertas juvenis e retratos
familiares. Estabelece o tom confessional e autobiográfico da série.
2. Paul a un travail d'été (Paul tem um Emprego de Verão, 2002)
Paul, ainda adolescente, consegue seu primeiro emprego como
monitor em um acampamento infantil. A experiência é reveladora e marca seu
amadurecimento, com momentos de ternura, frustração e crescimento pessoal.
3. Paul en appartement (Paul em seu Primeiro Apartamento, 2004)
Neste volume, Paul começa a vida adulta. A mudança para um
apartamento próprio, o início de uma carreira e a convivência com a namorada
são retratados com grande sensibilidade e bom humor.
4. Paul dans le métro (Paul no Metrô, 2005)
Uma obra menor, publicada em formato de livreto, reúne
histórias curtas ambientadas no metrô de Montreal. É mais experimental e
pontual, funcionando como um desvio poético na série.
5. Paul à la pêche (Paul na Pescaria, 2006)
Paul rememora uma viagem de pesca com o sogro, intercalando
a narrativa com reflexões sobre a paternidade, o relacionamento com a esposa e
os vínculos familiares. É uma das HQs mais emotivas da série.
6. Paul à Québec (A Canção de Roland, 2009 — publicado no Brasil em 2019)
Um dos volumes mais elogiados da série. Paul acompanha os
últimos meses de vida do sogro Roland, ao mesmo tempo em que reflete sobre
envelhecimento, luto e os laços familiares. Foi adaptado para o cinema em 2015
e venceu diversos prêmios. No Brasil, ganhou o título A Canção de Roland.
7. Paul au parc (Paul no Parque, 2011)
Neste volume, Paul volta à infância e narra sua breve
experiência como escoteiro. É uma HQ mais leve, com forte tom nostálgico e uma
crítica sutil às instituições autoritárias. Também funciona como retrato dos
anos 1970 em Quebec.
8. Paul dans le Nord (Paul no Norte, 2015)
Paul volta aos anos 1980, narrando seu último ano no
colégio, os primeiros passos como designer gráfico e sua aproximação definitiva
com o universo das artes. O volume tem um forte teor nostálgico e aborda o
início de sua relação com Lucie, sua futura esposa.
9. Paul à la maison (Paul em Casa, 2019 — publicado no Brasil em 2021)
Neste volume sombrio e profundo, Paul lida com o divórcio, a
morte da mãe e o distanciamento da filha. É o retrato de um homem solitário
tentando reconstruir sua vida na meia-idade. Considerado um dos pontos altos da
série, foi indicado ao Prêmio do Júri no Festival de Angoulême.
10. Rose à l'île (Rose na Ilha, 2023)
Embora não faça parte diretamente da série Paul, compartilha
o mesmo universo e estilo narrativo. Aqui, acompanhamos Rose, filha de Paul,
agora adolescente, durante uma estadia em uma pequena ilha na companhia do pai.
O foco está em sua perspectiva feminina, nos dilemas típicos da adolescência e
na construção de sua identidade. Rose à l'île mostra que Rabagliati
segue expandindo seu universo com frescor, sensibilidade e profundidade.
A série Paul é um exemplo marcante de como as HQs podem retratar com potência narrativa as emoções cotidianas, sem a necessidade de grandes reviravoltas ou artifícios dramáticos. Michel Rabagliati transforma suas experiências em histórias que ressoam com leitores de todas as idades, graças à honestidade e à delicadeza de sua escrita.
Aos leitores brasileiros, fica a expectativa de que mais
volumes da série sejam publicados por aqui. Quem já leu A Canção de Roland
ou Paul em Casa sabe que há muito mais a ser descoberto nessa obra
comovente e universal — que nos mostra que a vida comum, nas mãos certas, pode
ser extraordinária.
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