Há quadrinhos que se leem, e há quadrinhos que se contemplam. Lovecraft: Sr. Providence, da francesa Daria Schmitt, pertence à segunda categoria — uma experiência visual e sensorial em que o traço é o verdadeiro protagonista. Publicado originalmente em 2022 sob o título Le Bestiaire du Crépuscule, o álbum chega ao Brasil pela DarkSide em uma edição luxuosa em capa dura com 128 páginas no formato 23x30 cm, com tradução de José Francisco Botelho e o acréscimo de um conto ilustrado de H. P. Lovecraft, O Estranho Casarão nas Brumas.
Daria Schmitt constrói aqui uma homenagem ao universo lovecraftiano sem se limitar à simples adaptação. Seu trabalho ecoa mais o espírito do autor de Providence do que suas palavras — o fascínio pelo abismo, a beleza do incompreensível, a vertigem que nasce da imaginação. O resultado é um bestiário poético, povoado por criaturas e símbolos que transitam entre o sonho e o pesadelo, entre a razão e o delírio.
Visualmente, o álbum é um espetáculo. O traço de Schmitt combina a delicadeza das gravuras do século XIX com uma densidade moderna que lembra o trabalho de Dave McKean. O preto e branco domina as páginas, mas surgem explosões de cor que funcionam como portais sensoriais. É uma arte que exige tempo, atenção e entrega: uma leitura que acontece tanto com os olhos quanto com o corpo.
Mas é preciso reconhecer: a força gráfica às vezes engole o enredo. O fio narrativo se desfaz em passagens simbólicas e digressões oníricas que podem frustrar quem espera uma história linear. Schmitt prefere sugerir a contar, evocar a explicar — e isso faz parte da proposta.Daria Schmitt traduz Lovecraft em outra linguagem — a do traço, da textura, do ritmo visual. Lovecraft: Sr. Providence é uma descida elegante e perturbadora ao crepúsculo, onde o medo e a beleza coexistem, e onde a imaginação humana se revela tão infinita quanto os monstros que ela cria.
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