Shin Zero é o tipo de quadrinho que chama atenção antes mesmo da primeira página. Criado por Mathieu Bablet e Guillaume Singelin, e publicado no Brasil pela Comix Zone em edição caprichada, o álbum propõe uma releitura moderna — e inesperadamente madura — do imaginário sentai: os heróis coloridos, os monstros gigantes, as batalhas coreografadas e toda a explosão de cores que moldou gerações. Mas aqui, nada disso aparece da forma como lembramos.
A trama parte de uma premissa simples e brilhante: vinte anos após a derrota do último Kaiju, os antigos heróis perderam a função. O mundo seguiu adiante, mas não para eles. Sem monstros para combater, os Sentai viraram trabalhadores precarizados, vivendo de bicos mal-remunerados num cenário urbano congestionado e indiferente. O heroísmo, antes glamourizado, hoje é só mais uma profissão mal valorizada.
É dentro desse contexto que acompanhamos um grupo de jovens — Warren, Nikki, Héloïse, Satoshi e Sofia — tentando se equilibrar entre responsabilidades, frustrações e a sensação permanente de que nasceram tarde demais para serem grandes. O foco não está em grandes batalhas, mas na busca por identidade, na pressão por resultados, no peso das expectativas e na pergunta que ronda silenciosamente todo o livro: o que significa ser herói quando ninguém mais precisa de um?
Visualmente, o quadrinho é uma experiência. Guillaume Singelin entrega páginas incrivelmente detalhadas, com uma identidade estética que mistura o traço cartoon, o dinamismo do mangá e uma paleta monocromática cortada apenas pelas cores vibrantes dos trajes. Esse contraste reforça a força simbólica da obra: os heróis brilham em um mundo que não brilha mais. Cada quadro é carregado de informação, textura e ambientação — é daqueles álbuns que você relê devagar, descobrindo novos detalhes.
Já o roteiro de Mathieu Bablet traz temas contemporâneos e nada banais: precarização do trabalho, pressão social, desilusão geracional, autoimagem, redes sociais e a sensação de que todos estão competindo por atenção num mundo saturado. Há ação, sim, mas ela serve como ponte, não como destino. O coração da narrativa está em como esses personagens tentam encontrar sentido em meio ao caos de uma vida ordinária.
A edição brasileira da Comix Zone merece destaque à parte: 216 páginas, capa com hotstamp holográfico, miolo costurado, papel pólen bold de qualidade e cards exclusivos na primeira tiragem. Um cuidado que dialoga com o aspecto visual exuberante do quadrinho.
Shin Zero – Vol. 1 é uma obra que combina espetáculo visual com reflexão social, sem cair no óbvio e sem subestimar o leitor. Pode frustrar quem procura apenas ação frenética ou nostalgia pura, mas recompensa quem deseja algo mais profundo: uma história sobre amadurecer num mundo que já não se lembra dos seus heróis, e sobre como, mesmo assim, seguimos tentando.
Uma leitura forte, atual e cheia de personalidade. A continuação promete — e muito.



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