Stormbringer (1974) é um daqueles discos que dividem opiniões há décadas, e justamente por isso continua tão fascinante. A Mark III do Deep Purple estava no auge das tensões internas, com Ritchie Blackmore cada vez mais insatisfeito com os rumos musicais que David Coverdale e Glenn Hughes buscavam explorar. Entre o hard rock que havia definido a banda e uma crescente atração pelo soul, funk e R&B, nasceu um álbum híbrido, inquieto e muitas vezes subestimado.
Este foi o segundo registro da formação com Coverdale e Hughes, e já não havia mais espaço para ilusões: a estética de Burn (1974) não se repetiria. Hughes mergulhava de cabeça no funk e no groove americanos, Coverdale fortalecia sua persona vocal mais bluesy, e Blackmore — que nunca escondeu seu desdém por qualquer coisa que soasse “funky” — já preparava sua saída para fundar o Rainbow. Esse choque criativo moldou Stormbringer, um disco que soa ao mesmo tempo ousado e conflituoso.
A faixa-título abre o álbum com um hard rock direto, veloz e cheio de peso, um dos grandes clássicos da fase Coverdale/Hughes e uma das últimas composições em que Blackmore soa plenamente engajado. Mas logo após esse raio inicial o disco segue em outras direções. “Love Don’t Mean a Thing” e “Holy Man” abraçam o soul com naturalidade surpreendente, especialmente na interpretação vocal de Hughes. “Hold On” é praticamente um funk rock completo, com Ian Paice e Jon Lord construindo uma cama rítmica impecável. “You Can’t Do It Right” é a síntese do que a dupla Glenn Hughes e David Coverdale queria para o futuro da banda: groove, melodia e sofisticação. Já “Soldier of Fortune”, o encerramento, é uma das baladas mais belas de toda a carreira do Purple, um momento de rara harmonia entre Coverdale e Blackmore, cujas melodias permanecem imortais entre os fãs.
Na época, Stormbringer não foi recebido com o mesmo entusiasmo de seus antecessores. Parte do público e da crítica não soube lidar com a mistura estilística, e o próprio Ritchie Blackmore tratou de reforçar a narrativa de que aquele caminho não servia para a banda. Mas o tempo foi generoso com o álbum. Hoje, reconhece-se nele um movimento corajoso, que expandiu as fronteiras do Deep Purple e antecipou elementos que Coverdale exploraria profundamente no Whitesnake.
Stormbringer é um disco de transição, e é justamente esse caráter instável que o torna tão interessante. Ele revela uma banda dividida, mas também criativamente inquieta, disposta a experimentar além do previsível. É um dos maiores exemplos de que o Deep Purple nunca foi apenas uma máquina de riffs pesados: sempre houve espaço para risco, para fricção e para caminhos inesperados.
É um álbum que continua gerando debate, revisitações e redescobertas. E isso, no universo do rock, é quase sempre um sinal de grandeza.


Eu gosto desse álbum. Para mim ele só fica atrás do Machine Head e do Burn.
ResponderExcluirAbraço!