Iron Maiden: os 34 anos de 'The Number of the Beast', o disco mais importante da banda



Um dos discos mais importantes e emblemáticos do heavy metal, The Number of the Beast completa 34 anos de seu lançamento hoje, 22 de março de 2016. Terceiro álbum do Iron Maiden, o trabalho talvez seja o mais importante da carreira da banda inglesa, trazendo uma mudança de sonoridade e a entrada do vocalista Bruce Dickinson. No outro extremo, o play também foi o último gravado pelo baterista Clive Burr, substituído por Nicko McBrain.

The Number of the Beast foi o segundo álbum do Iron Maiden produzido por Martin Birch, que havia começado a trabalhar com o grupo no disco anterior, Killers (1981). Pouco mais de 13 meses separam um LP do outro, período rico em mudanças para a banda liderada pelo baixista Steve Harris. Os problemas envolvendo Paul Di’Anno, inconstante em relação à horários e compromissos devido ao seu envolvimento cada vez maior com álcool e cocaína, levou a banda a tomar a decisão de procurar outro cantor - mais detalhes sobre toda essa história você pode ler aqui

Harris e Rod Smallwood, manager do grupo, tinham apenas um alvo: Paul Bruce Dickinson, frontman do Samson. Conhecido por seu grande alcance vocal e uma performance de palco arrebatadora, Bruce também já estava de olho no Maiden, então foi só questão de unir a fome com a vontade de comer. O trio bateu um papo após o show do Samson no Reading Festival de 1981, ocorrido no dia 29 de agosto, e poucos dias depois o vocalista entrou em estúdio para gravar algumas canções com o quarteto e ver como soava. O resultado foi arrebatador, e após dois shows realizados na Suécia no mês em setembro Paul Di’Anno recebeu o pé na bunda que estava procurando e Bruce assumiu como vocalista do Iron Maiden.

Há uma clara evolução em The Number of the Beast em relação aos dois discos anteriores. Ainda que Iron Maiden (1980) e Killers (1981) possuam inúmeras qualidades e sejam ótimos discos, ficou evidente o passo adiante que o grupo deu ao colocar Dickinson em seu line-up. E entrada do vocalista abriu novas possibilidades para o Maiden, que entendeu o potencial de Dickinson e gravou canções que exploraram ao máximo o seu potencial, como é o caso de “Hallowed Be Thy Name”. Nas palavras de Martin Birch: “Eu sabia o que Steve queria fazer, e Paul não tinha capacidade para cantar como ele queria. A entrada de Bruce tornou tudo isso possível”. 

Bruce, ainda que não creditado como autor, contribuiu com ideias importantes em três faixas: “Children of the Damned”, “The Prisoner” e “Run to the Hills”. Há até uma teoria de que ele seria co-autor dessas músicas, mas acabou não sendo creditado como compositor devido ao fato de o seu contrato com o Samson ainda estar em vigor.


O primeiro single de The Number of the Beast foi “Run to the Hills”, lançado em 12 de fevereiro de 1982. A letra da faixa, uma das mais conhecidas canções do Maiden e um dos maiores clássicos da banda, relata o conflito entre índios e desbravadores norte-americanos, com cada parte da canção cantando a letra a partir do ponto de vista de um dos lados. O clipe, com cenas dos filmes clássicos do cineasta Buster Keaton, relata de forma cômica a guerra entre ambos. O single de “Run to the Hills” trouxe no lado B “Total Eclipse”, incluída no tracklist normal nas reedições futuras do disco. “Total Eclipse”, com seu riff bastante influenciado pelo Judas Priest, caiu nas graças dos fãs, e muitos defendem a ideia de que ela poderia estar no tracklist original no lugar de “Gangland”.

A faixa-título conta com uma introdução declamada por Bruce Dickinson e pelo ator inglês Barry Clayton citando trechos do livro das Revelações presentes no Novo Testamento. A intro dessa canção se transformou em uma espécie de oração para os fãs, que recitam suas frases em tom quase religioso nos shows. A música, como esperado, causou controvérsia, levando grupos religiosos conservadores a acusarem a banda de ser satanista. Inspirada no filme A Profecia II (1978), “The Number of the Beast” é, muito provavelmente, o maior clássico da carreira do Iron Maiden. As antológicas guitarras, que se entrelaçam em harmonias e melodias, casam perfeitamente com o baixo de Harris e o andamento quebrado criado por Clive Burr. A cereja do bolo é a interpretação de Bruce Dickinson, que ao final da introdução solta um grito similar ao de Roger Daltrey em “Won't Get Fooled Again”, do The Who.

Outro grande momento do álbum está em “Hallowed Be Thy Name”, música que fecha o disco. A letra relata os últimos momentos de vida de um prisioneiro que está prestes a ser enforcado, e foi classificada pelo AllMusic como “o exemplo mais bem acabado dos extensos épicos da banda, contando com uma das letras mais filosóficas já escritas por Harris”. “Hallowed Be Thy Name” é a canção favorita de um grande número de fãs do Maiden, incluindo este que vos escreve, e conta com aquela que pode ser classificada como a melhor interpretação vocal de Bruce Dickinson em toda a sua carreira.


Há ainda mais curiosidades sobre as canções. “Children of the Damned”, com sua estrutura crescente e progressiva, foi inspirada nos filmes A Aldeia dos Amaldiçados (lançado em 1960 e dirigido pelo alemão Wolf Rilla) e sua continuação, A Estirpe dos Malditos (1964, dirigido por Anton Leader). As duas obras cinematográficas são adaptações do livro The Midwich Cuckoos, publicado em 1957 pelo escritor inglês John Wyndham. Anos mais tarde, ao falar sobre a canção em seu programa de rádio na BBC, Bruce afirmou que uma das inspirações para “Children of the Damned” foi a igualmente clássica “Children of the Sea”, lançada pelo Black Sabbath dois anos antes no álbum Heaven and Hell (1980).

Já “The Prisoner”, com seu riff com influência de hard rock, tem a sua raiz em um programa de TV inglês homônimo, transmitido entre setembro de 1967 e fevereiro de 1968 pela ITV (foram produzidos apenas 17 episódios da atração). A faixa conta inclusive com um trecho original de um dos episódios em sua introdução. O Maiden voltaria a se inspirar no programa dois anos mais tarde, na canção “Back in the Village”, presente em Powerslave.

Fechando o pacote, “22 Acacia Avenue” faz parte da trilogia de canções que relata a saga da prostituta Charlotte, iniciada no disco de estreia do Maiden com “Charlotte the Harlot” e concluída com “From Here to Eternity”, presente no álbum Fear of the Dark (1992). Está em “22 Acacia Avenue” um dos melhores solos da carreira de Adrian Smith, que cospe melodia, agressividade e inspiração em um trabalho de guitarra memorável.


Para promover o álbum, o Maiden caiu na estrada na tour batizada como The Beast on the Road, que contou com 10 meses e 184 shows realizado, iniciando em 25 de fevereiro e terminando em 10 de dezembro de 1982. Essa excursão está documentada no álbum duplo ao vivo Beast Over Hammersmith, lançado em 2002 como parte do box Eddie’s Archive. O disco traz na íntegra o show realizado pelo Iron Maiden no Hammersmith Odeon no dia 20 de março de 1982, e é um dos melhores registros ao vivo da banda.

A recepção da crítica para The Number of the Beast foi muito boa, com o disco recebendo elogios unânimes. Com o passar dos anos, o álbum alcançou o status de clássico indiscutível, e é, sem sombra de dúvida, um dos discos essenciais para quem quer conhecer e saber mais sobre o heavy metal.

Uma matéria sobre The Number of the Beast não estaria completa sem mencionar a sua capa. Criada por Derek Riggs, a arte foi desenvolvida originalmente para o single de “Purgatory”, presente em Killers, mas Smallwood a achou boa demais para ser desperdiçada em um compacto e a guardou para o próximo disco da banda. Riggs declarou que a inspiração para a ilustração veio de uma história do Doutor Estranho, personagem da Marvel que é um mestre das artes místicas.



Com o passar dos anos, a discografia do Iron Maiden foi recebendo seguidas reedições em CD, o que trouxe para o mercado versões bastante interessantes do disco. As mais atrativas são a edição dupla lançada pela gravadora Caste em 1996 e atualmente fora de catálogo, e que traz um segundo CD com “Total Eclipse” e uma gravação ao vivo de “Remember Tomorrow” com Dickinson nos vocais, e a edição enhanced disponibilizada pela EMI em 2008 e que inclui “Total Eclipse” no tracklist normal e traz material multimídia com os clipes de “Run to the Hills” e “The Number of the Beast”. Essa reedição de 2008 tem outra característica importante: a arte da capa foi, digamos assim, “remasterizada”, e uma nova coloração com predominância de tons cinzas mais escuros foi aplicada na ilustração.

Um dos mais importantes discos da carreira do Iron Maiden e da história do heavy metal, The Number of the Beast chega aos 34 anos de vida mantendo a sua relevância para o gênero, justificando o status de clássico inquestionável que possui. 


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