Por que você ouve rock?


(Reproduzo abaixo o excelente texto do jornalista Gustavo Brigatti publicado hoje no site do jornal Zero Hora)

Calma. Não é provocação barata. A pergunta é séria: por que você ainda ouve rock? Estou falando de rock mainstream, de banda grande, do tipo quem ainda vende disco e roda o mundo em turnês milionárias. Pergunto isso à luz do lançamento dos singles do Queens of the Stone Age e o Foo Fighters, dois dos grupos mais representativos do segmento. Representativos e... repetitivos. 

Falo do QOTSA porque foi dos últimos a injetar algo de realmente novo no rock depois da ressaca do grunge. E o Foo Fighters porque é das pouquíssimas bandas de rock com menos de trinta anos a arrastar multidões (Coldplay não conta e você sabe muito bem a razão). Mas eu ouço "The Way You Used to Do", do primeiro, e "Run", do segundo, e penso "meu deus, que preguiça". Eu entendo a banda se acomodar e ligar o piloto automático. Mas e o ouvinte? O que faz alguém continuar a ouvir sempre a mesma música – mesmo que ela seja da sua banda favorita? 


Michael Hann, escritor e ex-editor de música do Guardian, tem uma teoria interessante. No artigo Why rock fans are loyal to the brand – not the band, ele aponta que fãs de rock não estão nem aí para quem está na formação do seu grupo de estimação, desde que ele continue na estrada. Ele cita Guns N' Roses, Whitesnake, AC/DC e outras como exemplo de bandas cujos admiradores são fieis mais ao logotipo do que à música propriamente produzida. Gene Simmons, gênio do marketing por trás do Kiss, já afirmou que não veria problema se a banda fosse conduzida, no futuro, por outras pessoas que não ele e o outro fundador do grupo, Paul Stanley. 

O argumento de Hann reforça minha sensação ao ouvir os novos singles do QOTSA e do FF. Eles estão fazendo a mesma música de sempre porque, ao que parece, seu público cativo está bem pouco preocupado com o que eles estão fazendo – desde que continuem. "Só não parem, por favor", dizem os fãs ao botar para rodar as velhas novidades, "ainda estamos com vocês". Que fica claro que todo mundo ouve o que quiser e está tudo certo, mas questiono se estão escutando ou só ouvindo o que está sendo produzido.

Novamente: essa coluna não é uma provocação barata. De um ouvinte de rock para outros ouvintes de rock: por que você ainda ouve rock?


(e abaixo o comentário de Marcel Bittencourt, baixista da banda gaúcha Rebel Machine e uma das mentes pensantes mais inteligentes da atual cena rock brasileira:)

Primeiramente, Gustavo Brigatti, parabéns pelo texto. Relevante e certeiro, além de muito importante nesse momento.

Respondendo à pergunta: o texto fala de rock mainstream. Assim sendo, a resposta é a clássica retórica de Rodrigo Amarante no clássico vídeo onde confronta um jornalista de competência duvidosa: não, porque nem sempre.

O rock se descolou do mainstream. Parte por culpa da indústria, que só injeta investimento em bandas com mais de vinte anos de cancha (salvo raras exceções como o Royal Blood) e parte por culpa do próprio rock, que parou de dialogar com as novas gerações. Então, quem quer boas bandas de rock, não pode depender do filtro do mainstream. Precisa peneirar.

Os artistas pop de hoje são mais rasos do que um pires. Muitos tem alguns produtores e alguns songwriters em um mesmo single. A música pop é a arte da indústria. Já o rock, é e se torna cada vez mais, a arte de se expressar fazendo barulho com guitarra, baixo e bateria, já que foi a única coisa que restou. E, parafraseando Dee Snider, isso torna as bandas de hoje ainda mais genuínas.

O rock não morreu, está longe disso, ele só não tá mais na vitrine, porque pessoas preferiram fazer dinheiro de forma mais fácil. Talvez quando os grandes geradores de receita do segmento (os dinossauros, tudo velho, dos quais FF e QOTSA são os mais jovens) morrerem ou pendurarem as chuteiras, o rock volte a receber investimento e visibilidade.

Em resumo: muito pouca coisa interessante existe no rock mainstream, poucas são as razões para ouvi-lo (ainda mais comparando os singles citados com obras primas como Songs for the Deaf e Wasting Light), mas com um pouco de boa vontade se encontra coisas muito preciosas.

Acho que esse é o futuro: os gigantes saem de cena para que se mantenha o fluxo de receita através de novos artistas. 

E, enquanto pessoas quiserem berrar com guitarras distorcidas, muita gente estará lá para ouvir.


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